quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Bukowski - Histórias da Vida Subterrânea

 Com doses sonoras de Tom Waits e Johnny Cash, um destes fã declarado e o outro, dono de uma composição que inspira o título de um de seus contos, a peça cumpre o seu papel, pois naqueles que conhecem a obra do velho Buk, o texto às vezes chulo, cru e vulgar, soa absurdamente natural, sem que cause estranheza ou repulsa, nem mesmo nas cenas de nudez e exageradas crises de tosse, cuspes e xingamentos, nada desse ambiente sujo e fétido seria novidade aos leitores do velho safado. O roteiro adaptado de sua prosa, que se cruza por seus contos, romances e também crônicas, faz jus ao ritmo caótico, escatológico, maldito, às vezes também engraçado, de sua obra, que refletia nada além de sua vida, sua rotina e desgraça, mesmo o texto sendo falado num português bastante gaúcho, não deixou a desejar, pois o lemos dessa maneira, a sua tradução também faz uso de expressões locais para facilitar o entendimento e principalmente, para que o leitor sinta uma parcela da real intenção e universo do escritor, um universo de bebedeiras, ressacas, mulheres vulgares, de criaturas dilaceradas pela vida, mas que também são cômicas em suas tragédias. Seus poemas também são citados e usados na peça, sendo nos seus momentos, quando recitados de forma integral, onde a peça talvez mais valorize a sua literatura, sendo menos usados e incluídos do que realmente poderiam sê-los, mas sem deixar a sensação de falta destes, pois antes de conhecido por sua prosa, Bukowski fora conhecido como poeta, tendo na antologia “O Amor É Um Cão Dos Diabos” sua principal obra. Talvez também tenham sido negligenciados e esquecidos os romances “Factótum” e “Hollywood”, pois na peça, nota-se o foco nas relações conturbadamente amorosas que Bukowski mantinha com mulheres perturbadas e bêbadas, tais como ele. O primeiro destes romances citados retrata, além dos relacionamentos amorosos, uma rotina na agonia de extensas brigas e lesões em diversos bares, um escritor ex-pugilista soterrado pelo amargor da sociedade, lutas bêbadas com garçons valentões e todo o universo claustrofóbico de Chinaski, também explorado em outras obras, mas que não aparece na peça. O outro retrata, de forma bizarra e hilária, no seu estilo já clássico, a odisseia que fora toda a produção do filme criado a partir de uma de suas histórias como Henry Chinaski, transformada em roteiro, desde o primeiro contato que o diretor Barbet Schroeder (no romance com nome fictício, claro) fez com ele, figura esta tão maluca e persistente, até a sua conclusão e lançamento. “Hollywood” conta a loucura que deu origem ao filme “Barfly”, e que também não consta no espetáculo.

 Mas na caracterização, e fundamentalmente, na interpretação dos atores, sentimos a atmosfera depressiva, às vezes também repugnante, selvagem e hilária, das personagens que compunham a vida do mestre escritor, e que de maneira inevitável, inundava suas páginas ao batê-las na máquina, também o fato de o teatro ser pequeno, dando uma proximidade do público com o palco, cenário e atores, e este estar absolutamente lotado (fato dado ao tremendo sucesso do escritor americano em terras porto-alegrenses, pois sua edição e publicação pela editora local LP&M o tirou de um estado outrora de obscuridade subterrânea, para um de cult e finalmente pop) causa um impacto que, talvez, seria digno de elogios do velho safado, se bem que, acho que não. Mas para seus leitores, com certeza sim.