Com doses sonoras de
Tom Waits e Johnny Cash, um destes fã declarado e o outro, dono de uma
composição que inspira o título de um de seus contos, a peça cumpre o seu
papel, pois naqueles que conhecem a obra do velho Buk, o texto às vezes chulo,
cru e vulgar, soa absurdamente natural, sem que cause estranheza ou repulsa,
nem mesmo nas cenas de nudez e exageradas crises de tosse, cuspes e
xingamentos, nada desse ambiente sujo e fétido seria novidade aos leitores do
velho safado. O roteiro adaptado de sua prosa, que se cruza por seus contos,
romances e também crônicas, faz jus ao ritmo caótico, escatológico, maldito, às
vezes também engraçado, de sua obra, que refletia nada além de sua vida, sua
rotina e desgraça, mesmo o texto sendo falado num português bastante gaúcho,
não deixou a desejar, pois o lemos dessa maneira, a sua tradução também faz uso
de expressões locais para facilitar o entendimento e principalmente, para que o
leitor sinta uma parcela da real intenção e universo do escritor, um universo
de bebedeiras, ressacas, mulheres vulgares, de criaturas dilaceradas pela vida,
mas que também são cômicas em suas tragédias. Seus poemas também são citados e
usados na peça, sendo nos seus momentos, quando recitados de forma integral,
onde a peça talvez mais valorize a sua literatura, sendo menos usados e
incluídos do que realmente poderiam sê-los, mas sem deixar a sensação de falta
destes, pois antes de conhecido por sua prosa, Bukowski fora conhecido como poeta,
tendo na antologia “O Amor É Um Cão Dos Diabos” sua principal obra. Talvez também
tenham sido negligenciados e esquecidos os romances “Factótum” e “Hollywood”,
pois na peça, nota-se o foco nas relações conturbadamente amorosas que Bukowski
mantinha com mulheres perturbadas e bêbadas, tais como ele. O primeiro destes
romances citados retrata, além dos relacionamentos amorosos, uma rotina na
agonia de extensas brigas e lesões em diversos bares, um escritor ex-pugilista soterrado
pelo amargor da sociedade, lutas bêbadas com garçons valentões e todo o
universo claustrofóbico de Chinaski, também explorado em outras obras, mas que não aparece na peça. O outro
retrata, de forma bizarra e hilária, no seu estilo já clássico, a odisseia que
fora toda a produção do filme criado a partir de uma de suas histórias como
Henry Chinaski, transformada em roteiro, desde o primeiro contato que o diretor
Barbet Schroeder (no romance com nome fictício, claro) fez com ele, figura esta
tão maluca e persistente, até a sua conclusão e lançamento. “Hollywood” conta a
loucura que deu origem ao filme “Barfly”, e que também não consta no espetáculo.
Mas na caracterização,
e fundamentalmente, na interpretação dos atores, sentimos a atmosfera
depressiva, às vezes também repugnante, selvagem e hilária, das personagens que
compunham a vida do mestre escritor, e que de maneira inevitável, inundava suas
páginas ao batê-las na máquina, também o fato de o teatro ser pequeno, dando
uma proximidade do público com o palco, cenário e atores, e este estar
absolutamente lotado (fato dado ao tremendo sucesso do escritor americano em
terras porto-alegrenses, pois sua edição e publicação pela editora local
LP&M o tirou de um estado outrora de obscuridade subterrânea, para um de cult e finalmente pop) causa um impacto que, talvez, seria digno de elogios do velho
safado, se bem que, acho que não. Mas para seus leitores, com certeza sim.