A atmosfera
emburrecedora debruça-se sobre minha cabeça novamente. Às vezes, parece que
vivemos em um mundo; uma realidade, com inúmeras dimensões que, uma vez justapostas,
apontam o atrito inevitável dessas dimensões, a sua impossível possibilidade de
coexistirem, o que o fazem, de fato, pois coexistem. Em questão de minutos, ou
de alguns quilômetros, atravessa-se múltiplas camadas de atmosferas culturais,
que representam o comportamento, o intelecto, a imagem visual, o vocabulário,
as vestimentas e os valores morais e sociais, causando um conflito absurdo de
diferenças que, atrasam qualquer desenvolvimento mútuo de socialização. É
absurdo como são tão distintas as noções de sentido da existência, de mundo. E
o mais incrível é a facílima capacidade de comparação destas ideias, tão
universalmente distintas e tão próximas. Famílias que discordam tanto que, em
nenhum momento sequer insinuam a ideia de família, de unidade. Pois na verdade,
o que importa mesmo é para onde vamos e o que fazemos; o que nos tornamos e somos,
e não de onde viemos, ou o que têm, ou mesmo quem são os nossos parentes
sanguíneos. Nossa origem para nada serve além de apontar nosso tipo sanguíneo
para o fim de algum transplante de órgãos, para ostensivas festas efêmeras de
casamento; aniversário, e para aborrecimentos devido a calúnias inventadas por
uns, vivida por outros e difamada por todos. A preocupação dedicada à
vestimenta, ao modo que se ganha a vida e as relações amorosas, superam
qualquer afinidade emocional e cultural entre legítimos parentes. Salvo poucas
exceções de ajuda recíproca isenta de qualquer cobrança material, porém basta
que nos afastemos de nossos parentes, que nos ajudam ou são ajudados de alguma
forma, para que as pequenas difamações surjam e por fim, para que estas inundam
os assuntos nos momentos alimentares coletivos. Almoços e jantares. É claro que
nem todas as famílias desfrutam dessa relação repugnante e melancólica, porém
em meu caso, tal como relata Henry Miller o seu, é que, sempre fui o diferente,
desde a infância, traumatizando-me uma cultura e comportamento familiar que
enaltece a burrice e a ignorância, fazendo com que, na adolescência, me
descobrisse, percebendo que não era eu o diferente, mas a família, o lugar, os
costumes daquela gente que me rodeava é que eram distintos dos meus, pois
quanto mais adulto me tornava, mais diferente deles eu ficava, e a cada dia
faço mais questão dessa diferença, desse afastamento, pois nos seus mundos
medíocres, o conhecimento é aberração, a arte é maluquice, o mundo é a
televisão e a vida é a honra de morrer trabalhado e servindo à uma mentira.
Apenas pena é o que me resta. Triste constatar valores que, uma vez sagrados,
conquistados com inúmeras batalhas; metas atingidas; aprendizados desbravados,
sejam aniquilados por uma horda de ignorância que transcende qualquer lapso de
aceitação saudável, aniquila qualquer sinal de empatia, sufoca a esperança na
humanidade.
Penso se quem
realmente teria alguma razão, algum impulso puro de seguir sua jornada, não
seriam os bêbados inveterados que bebem para viver, para seguir respirando, ao
menos nesta cidade esquecida no mapa, entre essas pessoas com número de
fabricação em série, que desenvolvem a filosofia de suas vidas pelos
ensinamentos propagados pela caixa de tela azul com o botão mágico na sala de
estar. Pois sentido, isso não faz de jeito nenhum.