sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Fantástica Fábrica - Leo Felipe - 2014


 A história do principal reduto underground roqueiro de Porto Alegre dos anos 90 é recheada de passagens engraçadíssimas, com a sinceridade e exageros fabulosos adequados à natureza caótica embriagada e blasfêmia do bar, eventos naturalmente desdobrados que revelam personagens, bandas e constatações magníficas e absurdas, o Garagem Hermética com certeza tinha tudo isso a ser contado e Leo Felipe o faz com total e absoluta propriedade, pois retrata exatamente o que pessoalmente viveu nessa época, apenas isso e nada mais, as desgraças e alegrias de seus anos de boss do casarão. O rock gaúcho passou por ali, também criaturas que hoje são cineastas e escritores renomados, ainda muitas drogas e sexo e drogas e podreiras e planetas e exús e mais artistas... É maravilhosa essa vida de excessos, excesso de vida, de juventude, de exploração do prazer e da loucura. Pra quem não estava lá e não viveu isso, a coisa soa ainda mais literária e ficcional do que a realidade insisti em ser, e que a memória criativa complementa. As ilustrações artísticas do livro extraem e exploram a extrema essência do lugar, recheadas de muita interpretação exageradamente bizarra e incrível, apontando os capítulos que as seguem, Diego Medina enlouquece mesmo nos desenhos, e claro, também tocou e se chapou bastante por lá. Com prefácio de Daniel Galera, que também figura como personagem presente no bar lá pelos últimos capítulos, o livro mitifica a história, mas ainda é história, e que sempre é mais legal quando exagerada pelos truques da memória falha e parcial. Tanta gente a fudê nesse livro, tantas referências ricas, muita arte, muita loucura e insensatez trajadas de liberdade. Um pouco da história da cidade, da história roquenrol absolutamente e seus sublimes guerreiros, e também a descrição dos passos de um jovem empreendedor pot head e seus amigos maluquinhos. Uma bela peça, que transmite imagens escatológicas da natureza puramente humana, necessária pra quem quer ler algo bruto, belo, ordinariamente intelectual e documental. Dá pra sentir o clima da música alta do ambiente quente, enfumaçado e pulsante. Corpos pulsantes e música boa (quase sempre). Uma obra que já aponta traços de clássico maldito e fundamental.

Foi lançado ano passado na 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, com canja musical do próprio Medina.

 
Arte que apresenta o capítulo 13

Leia o livro, jovem! E aproveite sua vida.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Monsters of Rock em Porto Alegre


  Lendas absolutas do heavy metal, cada uma com pelo menos 40 anos de carreira, com legiões de fãs em qualquer lugar do mundo. Impossível não se emocionar com tamanha magnitude, personalidade e influência que esses literalmente “monstros” do rock apresentam e representam.
Rob Halford e Richie Faulkner detonam no palco do Zequinha/agência RBS

  Começou com a banda local já carimbada em outros grandes shows internacionais de heavy metal que passaram por Porto Alegre, a Zerodoze é competente e tecnicamente muito boa, fazendo um som pesado notavelmente influenciado por Black Label Society e por clássicos como o Megadeth, inclusive executando no show a faixa Symphony of Destruction desta. O diferencial da banda, que possivelmente é o motivo da sequência de shows nesses grandes eventos, é que cantam suas letras em português, o que causa uma estranheza às vezes, em outras parece que realmente não soa bem, mas que sim, é um diferencial corajoso que deve ser considerado, pois as críticas são iminentes, já que o metaleiro é conservador por excelência.

 Quando o Motorhead subiu, a primeira impressão foi de que aquilo era uma miragem, não era possível que aquele cara, tantas vezes estampando revistas especializadas e pôsteres, que aquela lenda viva estava ali, de fato viva, tocando e cantando de verdade. Sim, é nítida a decadência física, todos sabem sobre as crises de saúde que enfrentou Lemmy Kilmister nos últimos anos, mas o que importa é que ele estava ali, sendo o mesmo cara de sempre, transmitindo uma sinceridade absoluta, fazendo um show verdadeiro, mesmo que o seu show hoje seja mais lento e comedido, o que vale é isso, que o cara estava naquele palco mandando ver da maneira que pôde, e tecnicamente, não ficou aquém do esperado, mesmo quando, me parece, apresentou duas vezes a faixa Rock it, que já haviam executado antes, quando então foi corrigido pelo guitarrista, que lhe disse que a próxima faixa seria na verdade Dr. Rock. Grandes clássicos emocionantes, um momento histórico único e diversão garantida pros jovens, e também velhos fãs, que batiam cabeça, pulavam e cantavam intensamente.
Lemmy um pouco morno, mas ainda lendário/agência RBS


 Judas Priest, se não são os pais do heavy metal, são os padrinhos. Das três grandes bandas, com certeza a melhor tecnicamente, onde o vocalista Rob Halford mantém imensa qualidade e precisão no seu canto, nos graves e agudos, no limpo e no sujo, depois de mais de 40 anos de carreira e tudo que isso acarreta, a sua qualidade clássica quase não se mostra diminuída. Pelo menos uma faixa de cada fase da banda foi mostrada no palco do estádio do Zequinha, exceto a fase dos dois discos em que Halford não canta na banda. Victim of Changes e Hell Bent for Leather dos anos 70; os hinos do heavy metal Breaking the Law, Living After the Midnight, Metal Gods e Electric Eye; também a incrível Jawbreaker do disco Defenders of Faith, de 84; ainda a mais conhecida da fase um pouco mais pop da banda no fim dos anos 80, Turbo Lover; além de sucessos recentes como Deal with the Devil e um de seus maiores clássicos, lançado em 90, Painkiller. Eu particularmente e ignorantemente achava que o último trabalho da banda era o disco Nostradamus, de 2008, mas não, a banda executa no palco algumas faixas do seu mais recente trabalho, o disco de 2014 chamado Redeemers of Souls, como a ótima Halls of Valhalla, que mostra o vigor incrível que a banda mantém depois de tanto tempo, ainda lançando discos de qualidade e trabalhando como uma verdadeira banda de respeito. Um show para perder a voz gritando junto com cada refrão, um som impecável, uma história verdadeira, um momento épico.

 Fechando a noite, agora sim se não o pai do heavy metal, eis o tio com certeza, se considerarmos Ozzy e Tony Iommi irmãos na música. Não havia tanta sede em relação a este quanto com as outras bandas, já que o próprio viera em 2013 com o Black Sabbath para Porto Alegre, além do show em 2011 no ginásio Gigantinho, no entanto, todos que estava ali aguardavam a lenda, o mito, dono de tantas histórias polêmicas e bizarras, depois de muitos anos de loucura e abuso com drogas, com quase 50 anos de carreira, a voz inconfundível do heavy metal, Ozzy estava ali, pulando, cantando na sua maneira, jogando água e espuma no público da frente, reverberando seus gritos e seu som intensamente como deve ser, como sempre foi. O repertório foi bastante óbvio, muitos de seus clássicos solo estavam ali, Crazy Train, Mr. Crowley, Suicide Solution, Bark at the Moon, Shot in the Dark, entre outros, porém a falta de No More Tears e Mamma I’m Comming Home foi sentida. Do material “sabbathiano”, surpreendeu a faixa War Pigs, cuja levou a galera à loucura definitivamente. Iron Man e Paranoid foram as obviedades necessárias, esta última fechando o show, como sempre ocorre. Do possível set list divulgado na web, eu particularmente senti a falta de Fire in the Sky, faixa esta do disco No Rest for the Wicked, primeiro trabalho com Zakk Wylde, que seria com certeza um grande momento no show, pois trata- de uma bela faixa com teclados e melodias fascinantes. Mas não rolou.
Ozzy é puro carisma e energia/agência RBS


 A produção foi boa, as estruturas armadas foram adequadas, o som estava ótimo, em qualquer posição se ouvia tudo muito bem, porém não evitou inúmeras reclamações do público presente. Essas reclamações se referem principalmente aos acessos do lugar, o estádio do São José é um bom espaço para shows, não é como a distante Fiergs ou o apertadíssimo Gigantinho, a questão é que há apenas duas entradas e saídas para o público, o que ocasiona filas homéricas, resultando num estresse inevitável. Sabendo dessa dificuldade, a produção deveria abrir os portões bem mais cedo, no entanto, grande parte do público chegou no mesmo horário, o que resultaria mesmo assim em grandes filas, pois não é possível levantar as arquibancadas e abrir uma outra porta de acesso. E também com o público entrando cedo, o dinheiro com certeza também acabaria antes do planejado, já que na rua os ambulantes vendiam a cerveja em latão a cinco reais, enquanto lá dentro a latinha estava 12 (!), regada de muito patrocínio e propaganda da cerveja esta, inclusive contando com um animador ao microfone fazendo promoções e distribuindo brindes, num formato brega e deslocado, resultando, claro, em muitas vaias por parte dos cabeludos de preto, que faziam presença massiva, obviamente, pois se tratava de nada menos que Judas Priest, Motorhead e Ozzy Osbourne.

 Valeu cada centavo, cada pulo, cada dor no dia seguinte. Clássico é emoção, é lembrança, nostalgia, e o heavy metal é um dos gêneros musicais mais fiéis, senão o mais, onde os velhos fazem o que sempre fizeram, o que eles mesmos criaram, e que segue sendo imitado e reproduzido no mundo todo, e o que os fãs querem é exatamente isso, que sigam fazendo o que fazem há mais de 40 anos, com peso, volume e intensidade. Somos privilegiados por ainda poder presenciar esses nomes ao vivo, pois sabemos que daqui a uns 10 anos, ou menos, serão apenas lembranças de um outro tempo, outra era, e teremos de nos contentar com o que haverá de novo, ou nos resignar na eterna nostalgia.