segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Por Dentro do Morro



O festival Morrostock chega à sua oitava edição neste ano e conta com uma programação musical que vai do hard core ao rock psicodélico

 Realizado na área rural de Sapiranga-RS, o festival contempla público e artistas com um contato direto com a natureza, onde estes acampam, comem ao ar livre, respiram o puro ar das montanhas e apreciam uma gama eclética de músicos que passam pelo festival, além das oficinas terapêuticas e de bio construção.
 Nesse ano, dentre as várias atrações musicais do festival, passou também pelo palco o polêmico grupo porto-alegrense Putinhas Aborteiras, formado por meninas que manifestam suas indignações e seus protestos através do funk de maneira inovadora, juntando o ativismo político a esse gênero musical que sempre é lembrado pela sua vulgaridade e pelo apelo sexual de suas letras.
Putinhas Aborteiras no palco do Morrostock
Foto: Ragi Sh
 Diferente do funk carioca no discurso, porém muito próximo na sonoridade, o grupo que se auto intitula anarco feminista aborda temas voltados ao universo feminino, porém um universo que não estampa as revistas de moda e comportamento, mas sim suas aflições perante o machismo entranhado na sociedade, reivindica o direito sobre o próprio corpo e suas escolhas e também protesta contra a supremacia masculina no cenário musical. Tal como outrora fora o movimento punk, uma música considerada pobre, de mau gosto e marginal pela grande mídia e por uma classe musical mais erudita, elas utilizam esse estilo de música, o funk, que também ainda hoje é considerado de mau gosto e marginalizado por grande parte da população, principalmente pela classe musicista, para abordar temas que consideram pertinentes, mas negligenciados pela grande massa da sociedade capitalista e machista, agredindo então dessa forma os olhares mais conservadores do público de hoje. “A música acaba sendo um pretexto para nos manifestarmos e nos organizarmos de forma política, desde o nosso visual, a nossa axila peluda, até quando falamos sobre uma menina que foi tocada por alguém sem ela consentir, tudo isto é política”, afirma uma das integrantes do grupo, de maneira descontraída, porém incisiva, e que prefere não se identificar por questões de segurança. Ainda também rebatem as críticas musicais que vem sofrendo, pois para muitos, o desempenho musical é bastante precário, porém mais uma vez fazendo alusão ao antigo movimento punk, afirmam que devem fazer música mesmo sem saber fazê-lo, que não precisam ser verdadeiras musicistas para tal. “Estamos aí para quebrar o estereótipo de que mulher cantora tem que cantar bem”, sustenta a integrante, que prefere não se identificar.
 Formado em meio ao movimento de debate Encontro Dos De Baixo há aproximadamente um ano em Porto Alegre, o grupo já gerou muita polêmica no cenário gaúcho. Recentemente apresentaram-se no programa Radar da TVE-RS, cujo este, por ser um programa ao vivo, sofreu censura que, de acordo com o grupo, partiu de dentro da própria emissora, o que impediu então o programa de reproduzir em tempo real a performance do grupo, sendo apenas divulgada a sua apresentação em horário alternativo e não ao vivo como o seria. “Fomos convidadas a participar do programa para fins de debate e contextualização devido à Marcha das Vadias, que aconteceria no próximo final de semana, e não apenas para tocarmos nossas músicas” declara a integrante conhecida como Cacau, no entanto durante o programa não fora exibida a sua apresentação, indo ao ar na íntegra apenas na madrugada daquele dia, porém isso não evitou protestos diversos de outros órgãos que, de acordo com elas, ainda associavam o grupo ao candidato à reeleição do governo do estado. “A mídia em geral, por ser ano eleitoral, nos usou para enfraquecer a candidatura do atual governo, usou as Putinhas Aborteiras para tentar derrubar esse atual governo como se nós fôssemos apoiadoras desse apenas por estarmos em uma TV pública. Somos apartidárias, mas não apolíticas, e não apoiamos governo nenhum”, declara Cacau. Afirmam também terem sido ameaçadas pelo público em geral após a exibição do programa, pois o seu vídeo logo se encontrava disponível na internet, o que rendeu milhares de acessos, gerando então muitos protestos através das redes sociais e pelas ruas, onde dizem terem sido intimidadas.

 No domingo do final de semana dedicado ao rock pesado, passaram ainda pelo palco do Morrostock as bandas Balde Sujo, Vultures HC, Devir, Atritos, Anomalia Social e Warkrust, fechando com sucesso o primeiro fim de semana do evento, que começou na sexta feira de maneira conturbada.

                                          O Morro deslizou, mas não caiu

Paulo Zé, o chefe da produção
Foto: Marcelo Cabala
 O festival que inicialmente seria realizado no sítio Picada Verão, também localizado no município de Sapiranga, teve uma drástica alteração na sua programação e localização. No primeiro dia do festival, sexta feira dia 10 de outubro, a polícia impediu o seu prosseguimento, enviando um contingente de viaturas e tropas para a paralisação do evento, alegando portar uma lista com 50 assinaturas feita pelos moradores próximos ao sítio, e que fora encaminhada ao Ministério Público, reclamando o distúrbio ocasionado pela movimentação e pela música alta do evento. No entanto, seria o quarto ano consecutivo que o festival é realizado nesta localização, e até a véspera do evento, quinta-feira, ninguém da produção havia sido informado sobre o descontentamento daquele grupo de moradores, tampouco sobre a lista de exigências burocráticas apresentadas nesta ocasião. “Na quinta-feira, dia 09, recebemos uma lista de documentos exigidos para fins de autorização do festival, no entanto, era impossível a emissão destes documentos em menos de 24 horas”, declara Paulo Zé, que é a principal cabeça por trás da produção do festival. “Foi um golpe desleal de alguns moradores munidos de preconceito e também de interesses políticos para impedir a realização do festival, que já está na agenda cultural da cidade há anos e que tem apoio de grande parte da população local”, afirma Paulo Zé. Devido então a essa súbita paralisação, algumas bandas que se apresentariam na sexta-feira não o fizeram, e o festival foi transferido para o Bar do Morro, lugar este onde tudo começou há oito anos, junto ao morro Ferrabrás, também em Sapiranga. “Graças ao Bar do Morro e sua administração nós podemos dar sequência ao festival, já que o lugar também comporta espaço para acampamento e hoje possui toda a documentação exigida para realização deste tipo de evento”, declara Paulo Zé. Depois de todo o transtorno da remoção e da colaboração e compreensão do público presente, o festival transferiu-se de lugar, porém as demais atividades programadas para o sítio Picada Verão se mantiveram, tais como as oficinas em bio construção e terapêuticas, pois as suas estruturas já estavam instaladas havia semanas e não seria possível a sua remoção para o novo lugar. “Disponibilizamos um micro ônibus para levar o pessoal que se inscreveu nas oficinas, saindo do Bar do Morro para o sítio Picada Verão, pois ansiamos em manter a programação das oficinas sem prejudicar os seus realizadores e o público”, afirma Paulo Zé.

 As oficinas em bio construção consistem na elaboração de ferramentas sustentáveis, onde os participantes aprendem como reaproveitar materiais para elaboração de instrumentos variados; aprendem a compostagem de resíduos orgânicos; o manejo ecológico de bambu, dentre outras atividades, sempre focando na sustentabilidade. Já as oficinas terapêuticas são realizadas na Tenda Zen, espaço dedicado aos exercícios de meditação, Yoga, Tantra, dentre outras técnicas orientais, localizada também no sítio Picada Verão.

 Para o último final de semana o festival ainda conta com nomes como Tequila Baby, Wander Wildner, Júpiter Maçã, entre outros artistas do rock nacional e internacional, fechando então a programação no domingo dia 19 com as bandas gaúchas Dingo Bells e Gustavo Telles e os Escolhidos, com muita natureza, sustentabilidade e música, na oitava edição deste festival que enriquece a cultura local do interior do Rio Grande do Sul.


2 comentários:

  1. Importantíssimo trabalho que contribui para o registro da história e memória do festival !! Parabéns e seja bem vindo sempre !

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  2. Por que eu so fui saber desse festival agora. Eu queria que aqui na minha cidade tivesse esses festivais felizes e cheios de amor. :*
    Natália Borges, Sao Luis - MA.

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