quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Tolkien e os cem anos da magia da Terra Média

 No ano do centenário dos primeiros registros em que J. R. R. Tolkien começa a esboçar os manuscritos de sua grande mitologia, também chega aos cinemas o terceiro e conclusivo capítulo de O Hobbit, A Batalha dos Cinco Exércitos, tonificando ainda mais a popularidade da obra deste épico escritor, adentrando no século XXI de maneira revigorada .
 Recentemente, o jornal inglês The Guardian publicou uma extensa e rica matéria sobre o pontapé inicial de toda a mitologia de Tolkien, um poema datado de 1914 em que o então jovem escritor concebe a gênese de sua literatura, intitulado A Viagem de Éarendel, A Estrela Vespertina, onde o autor descreve um marinheiro imaculado que sobe aos céus com sua nau, transformando-se em uma estrela, explicando de maneira mágica o surgimento da Estrela D’Alva, também chamada Estrela Vespertina. Segue abaixo uma parte do poema original e a tradução do site brasileiro Valinor:


Éarendel sprang up from the Ocean’s cup
In the gloom of the mid-world’s rim;
From the door of Night as a ray of light
Leapt over the twilight brim,
And launching his bark like a silver spark
From the golden-fading sand;
Down the sunlit breath of Day’s fiery Death
He sped from Westerland.

Éarendel ascendeu-se sobre a beira do Oceano
Na escura borda do limiar do mundo;
Pela Porta da Noite como um facho de luz
Avançou pela orla do crepúsculo,
E lançando sua barca como um brilho de prata
Da dourada e desvanecida areia;
Desceu pelo ar da flamejante morte do dia
Ele partiu das Terras do Oeste.

 Com clara influência da poesia de Percy Shelley, e muitas referências da cultura nórdica e celta, o jovem Tolkien a partir daí criou o mundo épico que veio influenciar tantos escritores, cineastas e músicos nos próximos cem anos. Já nessa primeira obra, ele demonstra a intenção de explicar fenômenos naturais através de histórias mágicas, pois o movimento que a nau de Eärendil executa no céu, como é retratado mais tarde no livro O Silmarillion, representa o movimento do planeta Vênus, que é chamado também de Estrela Vespertina, assim como o faz com o surgimento do sol, da lua, das demais estrelas, dos mares e de quase tudo o que existe na terra, chamada de Arda em sua criação, desde o seu surgimento, a origem da vida de seus habitantes, além do relato das guerras através das eras; de grandes feitos de personagens e suas histórias, até o fim da Guerra do Anel e o início da Quarta Era.
J. R. R. Tolkien no exército/WEB
 Até então, era comum entre os leitores conceber como marco inicial da mitologia o livro O Hobbit, primeira publicação de seu autor, datada de 1937, no entanto, a descoberta desse manuscrito de 1914 remete e comprova a origem de tudo, em meio ao iminente terror da Primeira Guerra Mundial que estourava, quando então o jovem acadêmico alista-se no exército, ainda recém aperfeiçoando seus estudos filológicos e as inquietações de sua mente criativa. Também no prefácio da publicação póstuma que foi o livro O Silmarillion, editado e organizado por seu filho Christopher Tolkien e lançado quatro anos após a sua morte em 1977, este retrata o quão antigos são os registros que compõe essa obra, que remontam a 1917, em meio às dificuldades em que foram concebidos, pois então o jovem tenente e escritor se encontrava nas trincheiras da guerra. “Na realidade, embora na época não se chamasse O Silmarillion, ele já existia meio século atrás, em cadernos velhíssimos podem ser lidas as versões iniciais das histórias mais importantes da mitologia, muitas vezes escritas às pressas, a lápis”, escreve Christopher então no prefácio do livro, ainda salientando que, mesmo que não houvesse o publicado em vida, seu pai nunca o abandonara, pois sempre mantinha a sua atenção na obra, também devida a grande dificuldade de organização e coerência que deveria ser mantida em referência à publicação que, nos anos 70, fora um sucesso estrondoso, mesmo tendo sido lançado 20 anos antes, rendendo finalmente renome internacional ao grande escritor, a trilogia O Senhor dos Anéis, onde há muitas indicações de fatos e histórias que depois foram organizadas e retratadas de maneira detalhada em O Silmarillion. Seu pai ainda deixou um vasto material inédito, que desde a sua morte, Christopher vem editando e lançando aos poucos. Um destes é a compilação de contos chamada Contos Inacabados lançado em 1980, que abrange grandes histórias entre as três eras de Arda, dentre outras obras que não se limitam a mitologia da Terra Média.
Contos Inacabados da editora
brasileira Martins Fontes/Capa John Howe

                                                                         
                                                                            Música


 Foram muitos os artistas que se influenciaram pela obra de Tolkien nos idos dos anos 70. Músicos como o grupo de rock inglês Led Zeppelin foi um destes, além de inúmeras outras bandas desse período que, por adotar uma característica mágica, onde magos, hobbits e anões fumam seus cachimbos, também as inúmeras referências ao folclore europeu; o visual descrito das paisagens e personagens, um senso de liberdade nômade que emergia da história, além da bela poesia que complementa a prosa da obra, a partir do final dos anos 60, a geração hippie se identifica com todo o mundo mágico, místico e heroico da saga na Terra Média criada por Tolkien e que germinou frutos em distintos artistas em suas respectivas áreas do entretenimento e da cultura mundial.
 Segue abaixo trecho da música Misty Mountain Hop da banda Led Zeppelin, onde além do título, que refere-se às Montanhas Nevoentas na tradução brasileira, trata claro da realidade dos jovens da geração daquele período:


So I've decided what I'm gonna do now
So I'm packing my bags for the Misty Mountains
Where the spirits go now
Over the hills where the spirits fly


Numa tradução livre ficaria:

Então eu decidi o que vou fazer agora
Então estou fazendo minhas malas para as Montanhas Nevoentas
Para onde os espíritos se vão agora
Sobre as colinas onde os espíritos voam


E segue o link da faixa:





 A referência nesta faixa é bastante sutil, apesar do título ser direto, porém há outras músicas do grupo que também fazem referência a obra de Tolkien. Talvez a mais evidente seja a faixa The Battle of Evermore, uma canção folk com uma harmonia tradicional e que tem toda a sua letra inspirada no romance O Senhor dos Anéis. Segue um trecho da mesma:


Queen of light took her bow
And then she turned to go
The prince of peace embraced the gloom
And walked the night alone

Oh, dance in the dark of night
Sing to the morning light
The dark lord rides in force tonight
And time will tell us all


Na tradução livre:

A Rainha da luz pegou seu arco
E então voltou-se para partir
O Príncipe da Paz abraçou a melancolia
E caminhou sozinho à noite

Oh, dance na escuridão da noite
Cante para a luz do amanhecer
O Senhor escuro cavalga em vigor esta noite
E o tempo nos contará tudo



 Abaixo o link da faixa:




 Mais tarde, já nos anos 90, a banda alemã de heavy metal Blind Guardian vai mais longe, gravando um álbum conceitual, todo inspirado na obra O Silmarillion, chamado Nightfall in Middle-Earth, lançado em 1998, retratando através de suas letras algumas passagens relacionadas a distintos capítulos do livro, de maneira livre, porém coerente, resultando numa obra admirável, desde a arte de sua capa, que ilustra o momento em que Lúthien e Beren, o primeiro casal oriundo da união das raças de homens e elfos, enfeitiçam o então primeiro senhor do escuro Morgoth e lhe roubam uma das três Silmarills, as gemas sagradas construídas por Feänor, e que outrora o próprio
Capa do disco Nightfall in Middle-Earth da banda Blind Guardian
Morgoth lhe roubara na terra de Aman do outro lado do mar... O disco não abrange todos os capítulos do livro, começando sua narrativa quando o senhor do escuro Melkor, também chamado Morgoth pelos elfos, é libertado de seu cativeiro na terra sagrada de Aman, cobiça e enfim rouba as três Silmarills de Feänor, fugindo para a Terra Média, sendo perseguido então pela legião de elfos da casa Noldor, liderados por Feänor, que buscam recuperar as joias custe o que custar. O disco desenvolve-se a partir daí cronologicamente, com algumas adaptações e interpretações idiossincráticas, mas de maneira bela, ricamente musical e coerente, onde consegue transmitir grande parte dos sofrimentos ocorridos nas infrutíferas guerras travadas na Primeira Era por elfos e homens contra Morgoth Bauglir, O Sinistro Inimigo, encerrando então sua narrativa no momento em que o senhor do trono escuro vence a quinta batalha intitulada Nirnaeth Arnoediad, que na língua sindarin, língua dos elfos cinzentos, significa Lágrimas Incontáveis, e retém em cativeiro Húrin, um dos grandes senhores dos clãs dos homens da região chamada Dór-Lómin, no norte da Terra Média. O livro ainda se estende por mais alguns capítulos, pois no disco todos os fatos remetem à Primeira Era do mudo, e no livro há ainda relatos da Segunda e da Terceira Era.
Abaixo o link da faixa Noldor (Dead Winter Reigns), onde a banda narra a sofrida travessia dos Noldors abandonados por Feänor, que tiveram que cruzar as gélidas regiões nortenhas entre a terra de Aman e a Terra Média, sem navios ou suprimentos para atravessar o mar, tal como fez Feänor e sua prole, na loucura de seu orgulho e arrogância pela busca das gemas, abandonando seus parentes. Uma das mais belas faixas deste disco:





 Há ainda inúmeras bandas de heavy metal cujas retiraram seus títulos da mitologia tolkieniana, são algumas delas: Gorgoroth, Amon Amarth, Cirith Ungol, Morgoth, Burzum, dentre muitas outras referências em músicas e discos de muitas outras bandas, na Europa e no resto do mundo, que a mitologia de Tolkien influencia desde os anos 50, mas que teve o seu auge popular nos anos 70. Todos estes títulos de bandas tratados aqui são originais dos idiomas criados por Tolkien na sua extensa obra.


                                                                            Literatura


 É notável o quanto J. R. R. Tolkien segue influenciando escritores bem posteriores à sua geração, assim como o fazem outros tantos escritores de literatura fantástica como ele, tais como Lewis Carrol, Bernard Cornwell, Geroge R. R. Martin e J. K. Rowling o fazem, fizeram e o farão enquanto a humanidade apreciar a arte da literatura épica e fantástica de altíssima qualidade. O grande escritor e roteirista criador das Crônicas de Gelo e Fogo, da qual é inteiramente baseada a série de TV Game of Thrones, da britânica HBO, admite ser um
Ilustração de Morgoth/WEB
grande fã de Tolkien, tendo relido várias vezes as suas obras, de onde tirou, dentre tantas outras referências históricas e culturais, inspiração para a concepção de seu grande romance, podendo hoje considerar que sua obra já superou em drama, em quantidade de detalhes de lugares e personagens, a grande mitologia de Tolkien, não obtendo talvez a mesma dimensão cronológica que O Silmarillion aborda em suas páginas, por exemplo, ou talvez não supere a poesia que tanto Tolkien esbanja em sua prosa, mas se sobressai sim nas questões sociológicas, na complexidade de seus personagens, no quão fiel à realidade medieval, à crueza do mundo, à barbárie da raça humana, às desgraças, aflições e amoralidade que compõe a história da sociedade humana desde sempre, sem definir fronteiras perenes entre heróis e vilões, fazendo com que seus leitores e tele-espectadores reflitam sobre suas próprias escolhas no mundo real, que tanto se parece com o mundo de As Crônicas de Gelo e Fogo, mesmo tendo seu enredo recheado de fantasia. Nesse caso, é possível dizer que sim, ao menos em muitos aspectos, o aprendiz superou o mestre.
 Em entrevista cedida à revista Rolling Stone, publicada em junho de 2014, George R. R. Martin responde sobre se ficou preocupado com possíveis comparações que sua obra poderia levantar com a obra de Tolkien. “Na verdade não fiquei preocupado. A partir dos anos 1970, os imitadores apenas retraçaram os mesmos caminhos que ele, sem nada da originalidade e do amor que Tolkien tinha pelos mitos e histórias. Mas eu sempre fui considerado, pelo menos dentro do gênero, um escritor sério. Além disso, a história me pegou de uma maneira muito forte. Achei que meus livros podiam ter o tom cru e sujo da ficção histórica misturado a um pouco da magia e do fascínio da fantasia épica”, declara Martin à revista Rolling Stone. Também fala sobre a extrema violência das suas obras, contrastando com sua personalidade agradável, de acordo com a revista, respondendo se isso gera algum conflito sobre suas visões sobre poder e guerra. “A guerra descrita por Tolkien era pelo destino da civilização e pelo futuro da humanidade, e isso virou o padrão. Não tenho certeza se é um bom padrão, entretanto. O modelo de Tolkien levou gerações de escritores de fantasia a produzirem uma série infinita de lordes malignos e seus terríveis exércitos, todos sempre feios e vestidos de preto. Mas a vasta maioria das guerras através da história não foi assim. A Primeira Guerra Mundial representa um exemplo muito mais típico de guerra do que a Segunda – o tipo em que você olha depois e diz: Por que diabos estávamos lutando? Há apenas um punhado de guerras que realmente valeram o preço pago”, declara Martin à Rolling Stone, e continua. “Nasci só três anos depois do fim da Segunda Guerra. Você quer ser herói. Quer fazer algo, seja o Homem-Aranha lutando contra o Duende Verde, seja o norte-americano salvando o mundo dos nazistas. É triste dizer, mas acho que vale a pena lutar por algumas coisas. Os homens ainda são capazes de grande heroísmo. Mas eu não acho que sejam necessariamente heróis. Isso é algo que aparece bem nos meus livros: acredito em grandes personagens. Somos todos capazes de coisas boas e más. Temos anjos e demônios dentro de nós, e nossa vida é uma sucessão de escolhas” declara o grande escritor George R. R. Martin, que talvez não tivesse criado nada parecido com As Crônicas de Gelo e Fogo se não fosse o legado deixado pelas obras de Sir John Ronald Reuel Tolkien. 

Feänor enfrenta Gothmog, o senhor dos balrogs de Morgoth/Bob Greyvenstein


                                                                            Cinema


 A grande popularidade que o escritor esbanjou nos idos dos anos 70 foi restaurada com força no começo do século XXI, pois então o diretor Peter Jackson decide apostar no romance épico, adaptado para as telas de cinema de maneira ousada. O que poderia ter sido um grande risco e um grande fracasso se mostrou na verdade um tremendo sucesso, arrebatando uma legião de novos fãs à literatura, desencadeando uma cultura popular e participativa nunca antes vista pelos remanescentes da família Tolkien, parecida com o que há também em relação às sagas Star Wars e Harry Potter, com inúmeros fóruns de estudos e discussões sobre a obra no vasto mundo da internet, e que até hoje, mesmo
A Sociedade do Anel/WEB
com todo esse sucesso, a família Tolkien não vê com bons olhos toda essa dimensão que o resultado da experiência cinematográfica atingiu, também porque financeiramente não lhes rendem tanto quanto aos estúdios associados de Hollywood, especialmente a empresa New Line Cinema, dona de uma grande fatia dos direitos. “Eles arrancaram as vísceras do livro, tornando-o um filme de ação para jovens entre 15 e 25 anos”, declara Christopher Tolkien ao jornal francês Le Monde. “E parece que O Hobbit será o mesmo tipo de filme”, afirma ele antes do lançamento da nova trilogia, sem esperanças em relação à sequência que estava por vir. “Tolkien tornou-se um monstro, devorado por sua própria popularidade e absorvido pelo absurdo da nossa época”, observa Christopher. “Ampliou o abismo entre a beleza e a seriedade do trabalho, e o que ele se tornou. E já foi longe demais para mim. A comercialização reduziu o impacto estético e filosófico da obra a nada. Há apenas uma solução para mim: Virar meu rosto para outro lado”, declara com certa tristeza para o Le Monde, ele que é o terceiro dos quatro filhos do escritor, sendo ele e sua irmã Priscilla Tolkien os últimos filhos sobreviventes, atuando então como executor testamentário de seu pai e diretor geral da Tolkien Estate, empresa que gerencia e distribui os royalties de direitos autorais para os herdeiros da família.
 Mesmo em meio a toda essa divergência, gerada entre os produtores dos filmes, dos jogos e demais artigos vinculados à mitologia de Tolkien, com os remanescentes de sua família, é notável a inclusão que esses artigos fazem, cada vez mais, de novos leitores entusiastas na sua literatura, sendo impossível também negar a qualidade dos filmes em seu formato, mesmo que estes se apeguem mais ao visual, ao som e a ação, do que com a filosofia e a poesia da obra literária. Muitos dessa geração tão somente conheceram o trabalho do escritor através da trilogia O Senhor dos Anéis para o cinema, o que desencadeou uma nova febre, que por sua vez, incomoda Christopher e sua família, já que também é notável a intromissão e aborrecimentos que muitos destes fãs geram a seus criadores, tal como acontece com George R. R. Martin e J. K. Rowling, mas que rendeu um renome ainda mais vasto ao legado de seu pai, e que não tão cedo será esquecido.
O dragão Smaug ataca Esgaroth/John Howe 
 Em ambas as trilogias dirigidas por Peter Jackson, O Hobbit e O Senhor dos Anéis, os recursos digitais para a caracterização das personagens e cenas de ação são abundantes, mas não chegam a prejudicar o curso do filme em si, mesmo que em ambas as trilogias, a quantidade de alterações feitas pelo diretor é excessiva. A omissão de personagens por ora importantes; a criação de outras, inexistentes nos livros, também cenas e fatos que, por uma questão obviamente de tempo, são omitidas na história dos filmes, ainda que não agridam demasiadamente o curso geral da saga. Contudo, muitas são as discrepâncias, o que é natural em uma adaptação cinematográfica, pois o fã mais atento deve considerar o filme como uma obra independente em si, pois é impossível a total fidelidade nos mais variados aspectos de uma obra literária adaptada para o cinema, no entanto, é possível apontar como graves algumas das alterações feitas, pois há a nítida “invenção” de fatos e acontecimentos que, em nenhum momento, são sugeridos nos livros, o que enfraquece o caráter das personagens, dando um apelo extremamente comercial a inúmeras partes do enredo, como por exemplo, quando Gollum joga fora o suprimento de lembas, o pão élfico de viagem, nos altos das Montanhas da Sombra, acusando Sam de ter os comido sozinho. Isso não acontece nos livros, e tal fato corrompe a personalidade de Frodo, que fica do lado de Gollum e que nas telas se mostra um indivíduo fraco, mas que nos livros apresenta muito mais virtudes como um hobbit diferenciado que era.
 Visualmente, os filmes cumprem muito bem os seus papéis, tanto os cenários, onde a maioria das locações foi feita na Nova Zelândia, país de origem do diretor, quanto na caracterização de figurinos e aparência das personagens, é notável o resultado positivo. Desde os orcs, názguls, elfos e demais criaturas da Terra Média, quanto as personalidades distintas e o aspecto repugnante da criatura Gollum, que outrora na história era conhecido como Sméagol, são bastante convincentes, sendo fiéis a intenção descritiva do autor em suas páginas. Claro que, desde os anos 70, são inúmeras as ilustrações baseadas na obra de Tolkien, o que facilitou a concepção para os filmes, e ainda por contar também com a colaboração na produção visual do desenhista John Howe, responsável pelas mais famosas ilustrações da mitologia tolkieniana, que ilustram várias edições de seus livros pelo mundo.
 O Hobbit, por ser a trilogia mais recente, conta com mais recursos digitais do que seu antecessor, no entanto, não o supera em nenhum aspecto, tendo no seu segundo volume A Desolação de Smaug o pior resultado entre os seis filmes. Há ainda o fato de o livro ser publicado em um volume único, mais simples e menor que O Senhor dos Anéis, porém rendendo também três filmes de duração quase igual a este, por isso, há inúmeras cenas desnecessárias e apelativas, mas que mesmo assim, é possível dizer que fez jus a fama e a qualidade da trilogia que o antecedeu, tendo na sua conclusão, o título A Batalha dos Cinco Exércitos, um ótimo encerramento com muita ação do começo ao fim, principalmente para aqueles que optam pela exibição em 3D nas salas de cinema, o que rende momentos eufóricos durante a sessão, deslumbrando voos rasantes do grande dragão Smaug em meio à cidade de Esgaroth em chamas, além das batalhas entre os exércitos de orcs, elfos, anões, homens e águias na cidade de Valle, em frente à Montanha Solitária, rendendo, ao menos visualmente, uma ótima experiência para os fãs das adaptações para o cinema, e também para os fãs de filmes de ação e fantasia em geral. Em suma, os filmes em si obtiveram êxito em muitos aspectos, no entanto, o drama das personagens e suas raízes são desvalorizadas. Muito pouco da essência verdadeira da obra nos livros é capturado nas telas.
Samwise e Frodo na versão cinematográfica


                                                                            Filosofia


 O que fica claro nas adaptações para o cinema da obra literária de Tolkien, e que seu filho Christopher ressalta, é a leviandade que a história assume a partir de então, deixando algumas personalidades bastante inverossímeis, pois perde-se o conteúdo e a ideologia que os acompanha no decorrer da saga, e que no filme, também por questões de tempo e também comerciais, são negligenciadas, além claro de toda a poesia que acompanha a prosa do autor.
 O duro destino cruel que viveram os antepassados de Aragorn, o peso que este carrega nas costas, descobrindo sua herança e descendência apenas na maioridade; os conflitos que sofre, principalmente quando após a queda de Gandalf, quando a Sociedade se separa e Boromir é morto,
Capa da primeira edição de O Hobbit idealizada por Tolkien
toda a trajetória penosa que enfrentou após abandonar Valfenda e seu amor por Arwen Undómiel, comparável apenas ao amor entre Beren e Lúthien e entre Tuor e Idril Celebrindal, ambos os casais oriundos da junção entre elfos e homens, e que desde a Primeira Era, então há mais de seis mil anos atrás, não acontecia, dentre outros tantos dilemas que Aragorn enfrenta em sua jornada e que nos filmes não são valorizados, pois nem de longe conseguem captar e transmitir o intenso drama travado por essa personagem nos livros . Há ainda a astúcia e sabedoria de Gandalf, que ressalta que “quando os sábios tropeçam, a ajuda costuma vir da mão dos mais fracos”, como relata em uma breve passagem ao fim de O Silmarillion. Nos filmes há indícios dessa filosofia de Tolkien, de que nas mais simples formas de vida, no cotidiano de gente humilde e comum, também moram grandes corações; de onde grandes atos de bravura podem surgir nos momentos mais inesperados e desesperadores.
 E também há ainda, além de muitos outros pontos possíveis de destaque nos livros, a bravura de Samwise Gamgee, que nos filmes se mostra um jardineiro simples e bondoso, como grande parte da população do Condado, mas que se revela um verdadeiro herói na conclusão da saga, pois mesmo que nos filmes a personagem seja encarada dessa maneira, nos livros os seus atos de bravura sobre a torre de Cirith Ungol, e além, junto do exército de orcs em Mordor, deprimentemente disfarçados, famintos e cansados, e depois na Montanha da Perdição, tudo isto no cinema não é retratado à altura, ao menos psicologicamente, da verdadeira superação em que o jovem hobbit atinge no desenrolar dos capítulos conclusivos do terceiro volume intitulado O Retorno do Rei. Uma história de superação extrema, atingida apenas e unicamente pela coragem desmedida de Sam, pois nada mais lhe restava além disso, fazendo com que a emoção, ao menos a este que vos escreve, atinja o seu auge no capítulo chamado O Campo de Cormallen, em que os hobbits, Sam e Frodo, são reverenciados na região de Ithilien pelo exército do oeste, após as semanas de recuperação depois de terem destruído finalmente o Um Anel, onde Aragorn, agora chamado rei Elessar, junto de Gandalf, Legolas, Gimli, Éomer, o príncipe Imrahil de Dol Amroth, os filhos de Elrond, os dúnedain nômades do norte, e todo o exército atrás destes, em uníssono, os reverenciam emocionados, gritando nos idiomas sindarin e quenya as seguintes palavras:


Cuio i pheriain Annan! Aglar’ni Pheriannath!
Daur a Berhael, Connin en Annûn!
Eglerio! Eglerio!
A laita te, laita te! Andave laituvalmet!
Cormacolindor, a laita tárienna!

Que na tradução significa:

Vida longa aos pequenos! Louvai-vos com grande louvor!
Louvai-vos com grande louvor, Frodo e Samwise!
Louvai-vos! Louvai-vos!
Os Portadores do Anel, louvai-vos com grande louvor!


 E ainda no poema recitado por Bilbo Bolseiro em Valfenda, em meio à reunião do Conselho de Elrond, onde é formada a Sociedade do Anel, quando Aragorn é questionado por Boromir, que duvidava de sua descendência númenoriana:


Nem tudo que é ouro fulgura
Nem todo o vagante é vadio
O velho que é forte perdura
Raiz funda não sofre o frio


Das cinzas um fogo há de vir
Das sombras a luz vai jorrar
A espada há de, nova, luzir
O sem-coroa há de reinar





Fontes na internet: www.valinor.com.br, www.wikipedia.org


http://whiplash.net/materias/biografias/188914-blindguardian.html


http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-93/george-rr-martin-game-of-thrones-entrevista-rs#imagem0







domingo, 30 de novembro de 2014

Paradesporto: O esporte que dá sentido à vida


Não importa se ganha ou se perde, todos são guerreiros e vitoriosos 
O exemplo dessa gente determinada que comove e emociona



 Em Porto Alegre, em meio à Copa do Mundo e a tantos protestos e manifestações que ocupam redes sociais e as pautas de debates cotidianos, alheios a isso, existe uma associação que atua na inclusão de crianças, jovens e adultos através do esporte na sociedade. Essa associação chama-se RS Paradesporto.
Luiz Portinho, presidente da RS Paradesporto
Foto: Jo Reis


 Com um trabalho social importantíssimo, a organização atua há dez anos na formação de atletas que competem, muitas vezes, em torneios, copas e campeonatos internacionais, em diversas modalidades, mas que não aparecem tanto nos meios massivos de comunicação, tendo então que agir e divulgar o seu trabalho por suas próprias mãos, tal como o fazem no site www.rsparadesporto.org.br, além do canal no youtube Paradesporto TV. A associação trabalha com esportes como o basquete, a natação, o atletismo, o futebol, o rúgbi, entre outros. Também há seis anos desenvolve um projeto voltado a crianças com deficiência, realizando ainda, além das modalidades esportivas, aulas de dança contemporânea com essas crianças, aulas estas que são apoiadas pela Secretaria de Cultura do município. “No início desse trabalho voltado às crianças, contávamos com o apoio voluntariado dos próprios associados, além da participação em editais, na tentativa de captar verbas para um melhor desenvolvimento do projeto”, declara Luiz Portinho, presidente da associação RS Paradesporto. “Hoje, para esse projeto específico junto a crianças deficientes, contamos com o apoio do Criança Esperança, que nos apoia desde 2013 e que se tornou fundamental para o andamento do projeto, podendo hoje contratar diversos profissionais, tais como secretárias, estagiários, técnicos de enfermagem, entre outros, além de mais professores, atuando todos então juntos à associação”, afirma Portinho. Segundo ele também, graças a esse apoio financeiro do Criança Esperança, é possível hoje disponibilizar materiais diversos para as aulas, disponibilizar transporte, além de ampliar de forma significativa o trabalho, que era feito com aproximadamente 15 crianças e que hoje trabalha com 60.
Luiz Portinho junto de alguns alunos e funcionários da RS Paradesporto
Foto: Jo Reis
  Além das dificuldades corriqueiras dos espaços para o desenvolvimento das atividades e das dificuldades financeiras, há também o preconceito da sociedade, a ignorância sobre o assunto, sobre as diferentes e inúmeras necessidades especiais que cada indivíduo possui, existe também ainda o preconceito do próprio deficiente. “Às vezes tem o cara que, mesmo na cadeira de rodas, com uma deficiência bastante explícita, se nega a participar ou ser incluído no projeto, alegando que não é como a gente”, explica Luiz Portinho, deixando claro que há uma resistência preconceituosa por parte de alguns portadores de deficiência, por não se considerarem eles mesmos deficientes, por associarem isso de forma pejorativa. “Enquanto muitos se empolgam com o nosso convite para conhecer a associação, muitos nem ao menos se reconhecem como deficientes, e isso dificulta bastante a nossa tentativa de inclusão perante a sociedade, já que há preconceitos que partem dos próprios portadores de necessidades especiais”, afirma Portinho, porém ele considera que hoje, graças ao esporte paralímpico, este preconceito amenizou-se, pois no passado essa perspectiva preconceituosa, oriunda da falta de conhecimento, era mais presente do que nos dias atuais. “Ainda hoje existe o paradigma das pessoas deficientes serem consideradas doentes e incapazes, tanto por empresas que contratam apenas pela obrigação de cumprir suas cotas, quanto ainda por outras ONGs e associações, que tratam os atletas e alunos como pacientes”, declara Luiz Portinho. “Temos como objetivo dar autonomia aos nossos alunos, a viver de forma independente na sociedade, a cair e levantar como uma pessoa comum. Paciente é doente, e não somos doentes, somos portadores de necessidades especiais, e podemos atuar no mercado de trabalho como qualquer pessoa”, afirma Luiz Portinho.
Treino da equipe de basquete
Foto: Arquivo RS Paradesporto

  

 Recentemente, no sábado dia 22 de novembro, a equipe de basquete da RS Paradesporto, que também faz parte da Confederação Brasileira de Basquete em Cadeira de Rodas, foi vice-campeã estadual na copa que reúne todas as equipes de basquete paralímpico do estado. A associação já formou atletas paralímpicos profissionais, que disputam competições internacionais, além do trabalho voltado à inclusão social e a capacitação psicológica e profissional, através da autoestima que o esporte dá às crianças e demais alunos da associação. 



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Os Homens do Triângulo Rosa

 O espetáculo Os Homens do Triângulo Rosa, do grupo Cia. Teatro ao Quadrado apresenta uma obra que vem de encontro a uma questão pouco conhecida do público sobre o holocausto, a perseguição aos homossexuais alemães do período nazista, tema considerado tabu até os dias de hoje. De maneira impactante, ele aborda o tema e sugere a reflexão sobre essa intolerância aos homo afetivos que, ainda hoje, é vista por muitos como uma aberração.
Flyer Divulgação
 Com uma trilha sonora executada ao vivo, no estilo dos velhos cabarés, outrora muito populares na capital alemã, a peça desenrola as relações amorosas de uma personagem conflitada entre a vida boêmia que levava com seu companheiro bailarino, sua conturbada relação familiar, até a prisão e confinamento nos campos de concentração nazistas. Uma vida que passa do glamour à marginalidade em instantes.
 No enredo, que é uma adaptação da obra Bent, de Martin Sherman, mesmo com a ascensão do partido nazista liderada por Adolf Hitler, os cidadãos alemães que se identificavam como homossexuais, ou apenas simpatizantes, gozavam ainda em meados da década de 30 alguma tranquilidade em relação às perseguições étnicas que já ocorriam no território alemão, pois o braço direito do Führer, o oficial Ernst Röhm, líder das SA, até então era conhecidamente homossexual, o que garantia uma mínima proteção àquelas pessoas, no entanto, no ano de 1934, na noite conhecida como Noite das Facas Longas, a caçada aos homossexuais foi iniciada, quando dezenas de membros do partido nazista foram mortos, inclusive Röhm, de quem cujo próprio Führer temia um golpe militar, desencadeando então a partir dessa retomada a unificação das polícias alemãs e a perseguição oficial a judeus, comunistas, ciganos, deficientes e, portanto, aos homossexuais.
Foto: Luciane Pires/Divulgação
 Enquadrados então como aberrações de mais baixo escalão, inclusive entre os próprios presos do regime nazista, os homens identificados como homossexuais carregavam em seus uniformes o tecido na forma de triângulo, de cor rosa, cujo simbolizava então a sua condição e sua diferenciação entre os demais presos. A trama aborda a dor e o sofrimento sofridos por esses homens que, assim como outros grupos perseguidos, infringiam a lei nazista apenas por existirem, por demonstrarem carinho e afeto, mesmo que entre os próprios oficiais houvesse também homossexuais, pois na sua hipocrisia, a raça ariana era imune a tais degenerações.
 São aproximadamente duas horas de espetáculo, das quais grande parte se passa dentro do campo de concentração nazista de Buchenwald, onde as dores e as transformações provocadas pela agonia vivida pela personagem principal Max (Marcelo Ádams) acontecem.


Foto: Luciane Pires/Divulgação

 Com cenas impactantes de execuções e humilhações desempenhadas pelos oficiais nazistas, atuações soberbas de um elenco admirável, também com momentos por ora leves e descontraídos, porém seguidos de angústia e de dor, o espetáculo foca no ser humano, na melancolia de uma vida aprisionada, mas também evidencia um sentimento tão comum, tão presente desde os primórdios da raça humana, o amor, mostra que, mesmo com os corpos imóveis, mesmo aprisionados, mesmo na dor e no cansaço, a mente sã não pode ser aprisionada e que, no fundo da imaginação, é possível tocar, acariciar e gozar os prazeres da paixão, que correntes, grades e uniformes não são capazes de trancafiar o desejo, e ainda conclui nos obrigando a refletir sobre a intolerância, o preconceito, provando a todos os espectadores que, mesmo um homem nazista, um homem judeu ou um homossexual, todos sofremos e amamos. No fim, todos somos iguais.
Foto: Luciane Pires/Divulgação


O espetáculo segue até o dia 16 de novembro no Teatro Renascença, sextas e sábados às 20 horas e domingos às 18 horas.





Ficha Técnica:

Direção: Margarida Peixoto
Dramaturgia: adaptação das obras literárias Bent, de Martin Sherman; Triângulo rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, de Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda; e Eu, Pierre Seel, deportado homossexual, de Pierre Seel
Elenco: Marcelo Ádams, Frederico Vasques, Gustavo Susin, Gisela Habeyche, Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa
Instrumentista: Elda Pires
Figurinos: Antônio Rabadan
Cenografia: Yara Balboni
Trilha Sonora: Marcelo Ádams (Letras) Sobre Música de Kurt Weill
Iluminação: Maurício Moura
Maquiagem: Margarida Peixoto
Preparação Corporal: Angela Spiazzi
Produção: Cia Teatro Ao Quadrado
Assessoria de Imprensa: Adriana Lampert
Fotografia: Luciane Pires Ferreira
Programação Visual: Maria Eugênia Jucá
Realização: Prêmio Myriam Muniz De Teatro 2013 – Funarte – Ministério da Cultura





segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Por Dentro do Morro



O festival Morrostock chega à sua oitava edição neste ano e conta com uma programação musical que vai do hard core ao rock psicodélico

 Realizado na área rural de Sapiranga-RS, o festival contempla público e artistas com um contato direto com a natureza, onde estes acampam, comem ao ar livre, respiram o puro ar das montanhas e apreciam uma gama eclética de músicos que passam pelo festival, além das oficinas terapêuticas e de bio construção.
 Nesse ano, dentre as várias atrações musicais do festival, passou também pelo palco o polêmico grupo porto-alegrense Putinhas Aborteiras, formado por meninas que manifestam suas indignações e seus protestos através do funk de maneira inovadora, juntando o ativismo político a esse gênero musical que sempre é lembrado pela sua vulgaridade e pelo apelo sexual de suas letras.
Putinhas Aborteiras no palco do Morrostock
Foto: Ragi Sh
 Diferente do funk carioca no discurso, porém muito próximo na sonoridade, o grupo que se auto intitula anarco feminista aborda temas voltados ao universo feminino, porém um universo que não estampa as revistas de moda e comportamento, mas sim suas aflições perante o machismo entranhado na sociedade, reivindica o direito sobre o próprio corpo e suas escolhas e também protesta contra a supremacia masculina no cenário musical. Tal como outrora fora o movimento punk, uma música considerada pobre, de mau gosto e marginal pela grande mídia e por uma classe musical mais erudita, elas utilizam esse estilo de música, o funk, que também ainda hoje é considerado de mau gosto e marginalizado por grande parte da população, principalmente pela classe musicista, para abordar temas que consideram pertinentes, mas negligenciados pela grande massa da sociedade capitalista e machista, agredindo então dessa forma os olhares mais conservadores do público de hoje. “A música acaba sendo um pretexto para nos manifestarmos e nos organizarmos de forma política, desde o nosso visual, a nossa axila peluda, até quando falamos sobre uma menina que foi tocada por alguém sem ela consentir, tudo isto é política”, afirma uma das integrantes do grupo, de maneira descontraída, porém incisiva, e que prefere não se identificar por questões de segurança. Ainda também rebatem as críticas musicais que vem sofrendo, pois para muitos, o desempenho musical é bastante precário, porém mais uma vez fazendo alusão ao antigo movimento punk, afirmam que devem fazer música mesmo sem saber fazê-lo, que não precisam ser verdadeiras musicistas para tal. “Estamos aí para quebrar o estereótipo de que mulher cantora tem que cantar bem”, sustenta a integrante, que prefere não se identificar.
 Formado em meio ao movimento de debate Encontro Dos De Baixo há aproximadamente um ano em Porto Alegre, o grupo já gerou muita polêmica no cenário gaúcho. Recentemente apresentaram-se no programa Radar da TVE-RS, cujo este, por ser um programa ao vivo, sofreu censura que, de acordo com o grupo, partiu de dentro da própria emissora, o que impediu então o programa de reproduzir em tempo real a performance do grupo, sendo apenas divulgada a sua apresentação em horário alternativo e não ao vivo como o seria. “Fomos convidadas a participar do programa para fins de debate e contextualização devido à Marcha das Vadias, que aconteceria no próximo final de semana, e não apenas para tocarmos nossas músicas” declara a integrante conhecida como Cacau, no entanto durante o programa não fora exibida a sua apresentação, indo ao ar na íntegra apenas na madrugada daquele dia, porém isso não evitou protestos diversos de outros órgãos que, de acordo com elas, ainda associavam o grupo ao candidato à reeleição do governo do estado. “A mídia em geral, por ser ano eleitoral, nos usou para enfraquecer a candidatura do atual governo, usou as Putinhas Aborteiras para tentar derrubar esse atual governo como se nós fôssemos apoiadoras desse apenas por estarmos em uma TV pública. Somos apartidárias, mas não apolíticas, e não apoiamos governo nenhum”, declara Cacau. Afirmam também terem sido ameaçadas pelo público em geral após a exibição do programa, pois o seu vídeo logo se encontrava disponível na internet, o que rendeu milhares de acessos, gerando então muitos protestos através das redes sociais e pelas ruas, onde dizem terem sido intimidadas.

 No domingo do final de semana dedicado ao rock pesado, passaram ainda pelo palco do Morrostock as bandas Balde Sujo, Vultures HC, Devir, Atritos, Anomalia Social e Warkrust, fechando com sucesso o primeiro fim de semana do evento, que começou na sexta feira de maneira conturbada.

                                          O Morro deslizou, mas não caiu

Paulo Zé, o chefe da produção
Foto: Marcelo Cabala
 O festival que inicialmente seria realizado no sítio Picada Verão, também localizado no município de Sapiranga, teve uma drástica alteração na sua programação e localização. No primeiro dia do festival, sexta feira dia 10 de outubro, a polícia impediu o seu prosseguimento, enviando um contingente de viaturas e tropas para a paralisação do evento, alegando portar uma lista com 50 assinaturas feita pelos moradores próximos ao sítio, e que fora encaminhada ao Ministério Público, reclamando o distúrbio ocasionado pela movimentação e pela música alta do evento. No entanto, seria o quarto ano consecutivo que o festival é realizado nesta localização, e até a véspera do evento, quinta-feira, ninguém da produção havia sido informado sobre o descontentamento daquele grupo de moradores, tampouco sobre a lista de exigências burocráticas apresentadas nesta ocasião. “Na quinta-feira, dia 09, recebemos uma lista de documentos exigidos para fins de autorização do festival, no entanto, era impossível a emissão destes documentos em menos de 24 horas”, declara Paulo Zé, que é a principal cabeça por trás da produção do festival. “Foi um golpe desleal de alguns moradores munidos de preconceito e também de interesses políticos para impedir a realização do festival, que já está na agenda cultural da cidade há anos e que tem apoio de grande parte da população local”, afirma Paulo Zé. Devido então a essa súbita paralisação, algumas bandas que se apresentariam na sexta-feira não o fizeram, e o festival foi transferido para o Bar do Morro, lugar este onde tudo começou há oito anos, junto ao morro Ferrabrás, também em Sapiranga. “Graças ao Bar do Morro e sua administração nós podemos dar sequência ao festival, já que o lugar também comporta espaço para acampamento e hoje possui toda a documentação exigida para realização deste tipo de evento”, declara Paulo Zé. Depois de todo o transtorno da remoção e da colaboração e compreensão do público presente, o festival transferiu-se de lugar, porém as demais atividades programadas para o sítio Picada Verão se mantiveram, tais como as oficinas em bio construção e terapêuticas, pois as suas estruturas já estavam instaladas havia semanas e não seria possível a sua remoção para o novo lugar. “Disponibilizamos um micro ônibus para levar o pessoal que se inscreveu nas oficinas, saindo do Bar do Morro para o sítio Picada Verão, pois ansiamos em manter a programação das oficinas sem prejudicar os seus realizadores e o público”, afirma Paulo Zé.

 As oficinas em bio construção consistem na elaboração de ferramentas sustentáveis, onde os participantes aprendem como reaproveitar materiais para elaboração de instrumentos variados; aprendem a compostagem de resíduos orgânicos; o manejo ecológico de bambu, dentre outras atividades, sempre focando na sustentabilidade. Já as oficinas terapêuticas são realizadas na Tenda Zen, espaço dedicado aos exercícios de meditação, Yoga, Tantra, dentre outras técnicas orientais, localizada também no sítio Picada Verão.

 Para o último final de semana o festival ainda conta com nomes como Tequila Baby, Wander Wildner, Júpiter Maçã, entre outros artistas do rock nacional e internacional, fechando então a programação no domingo dia 19 com as bandas gaúchas Dingo Bells e Gustavo Telles e os Escolhidos, com muita natureza, sustentabilidade e música, na oitava edição deste festival que enriquece a cultura local do interior do Rio Grande do Sul.


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Bukowski - Histórias da Vida Subterrânea

 Com doses sonoras de Tom Waits e Johnny Cash, um destes fã declarado e o outro, dono de uma composição que inspira o título de um de seus contos, a peça cumpre o seu papel, pois naqueles que conhecem a obra do velho Buk, o texto às vezes chulo, cru e vulgar, soa absurdamente natural, sem que cause estranheza ou repulsa, nem mesmo nas cenas de nudez e exageradas crises de tosse, cuspes e xingamentos, nada desse ambiente sujo e fétido seria novidade aos leitores do velho safado. O roteiro adaptado de sua prosa, que se cruza por seus contos, romances e também crônicas, faz jus ao ritmo caótico, escatológico, maldito, às vezes também engraçado, de sua obra, que refletia nada além de sua vida, sua rotina e desgraça, mesmo o texto sendo falado num português bastante gaúcho, não deixou a desejar, pois o lemos dessa maneira, a sua tradução também faz uso de expressões locais para facilitar o entendimento e principalmente, para que o leitor sinta uma parcela da real intenção e universo do escritor, um universo de bebedeiras, ressacas, mulheres vulgares, de criaturas dilaceradas pela vida, mas que também são cômicas em suas tragédias. Seus poemas também são citados e usados na peça, sendo nos seus momentos, quando recitados de forma integral, onde a peça talvez mais valorize a sua literatura, sendo menos usados e incluídos do que realmente poderiam sê-los, mas sem deixar a sensação de falta destes, pois antes de conhecido por sua prosa, Bukowski fora conhecido como poeta, tendo na antologia “O Amor É Um Cão Dos Diabos” sua principal obra. Talvez também tenham sido negligenciados e esquecidos os romances “Factótum” e “Hollywood”, pois na peça, nota-se o foco nas relações conturbadamente amorosas que Bukowski mantinha com mulheres perturbadas e bêbadas, tais como ele. O primeiro destes romances citados retrata, além dos relacionamentos amorosos, uma rotina na agonia de extensas brigas e lesões em diversos bares, um escritor ex-pugilista soterrado pelo amargor da sociedade, lutas bêbadas com garçons valentões e todo o universo claustrofóbico de Chinaski, também explorado em outras obras, mas que não aparece na peça. O outro retrata, de forma bizarra e hilária, no seu estilo já clássico, a odisseia que fora toda a produção do filme criado a partir de uma de suas histórias como Henry Chinaski, transformada em roteiro, desde o primeiro contato que o diretor Barbet Schroeder (no romance com nome fictício, claro) fez com ele, figura esta tão maluca e persistente, até a sua conclusão e lançamento. “Hollywood” conta a loucura que deu origem ao filme “Barfly”, e que também não consta no espetáculo.

 Mas na caracterização, e fundamentalmente, na interpretação dos atores, sentimos a atmosfera depressiva, às vezes também repugnante, selvagem e hilária, das personagens que compunham a vida do mestre escritor, e que de maneira inevitável, inundava suas páginas ao batê-las na máquina, também o fato de o teatro ser pequeno, dando uma proximidade do público com o palco, cenário e atores, e este estar absolutamente lotado (fato dado ao tremendo sucesso do escritor americano em terras porto-alegrenses, pois sua edição e publicação pela editora local LP&M o tirou de um estado outrora de obscuridade subterrânea, para um de cult e finalmente pop) causa um impacto que, talvez, seria digno de elogios do velho safado, se bem que, acho que não. Mas para seus leitores, com certeza sim.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Guns N' Roses em Porto Alegre - 2014


 Bom, em resumo, pode-se dizer que foi um bom show, ao menos para todos aqueles adolescentes que formavam a maior parte do público presente. Para mim foi bom porque visualizei e ouvi (?) o frontman que mais exerceu influência sobre mim desde minha tenra mocidade, mesmo que entre pilares gigantescos e à uma distância desconfortável, com todo o calor que fazia dentro do pavilhão e ainda submetido à extorsão, caso fosse necessário o consumo de líquidos durante o show, tudo isso tornou tudo bastante desconfortável. Mas é isso, por tal aspecto os ingressos VIP’s e assemelhados nos saem tão caros. Você paga para ficar debaixo do mesmo teto que seu ídolo, não muito mais que isso.
 Então, devido aos recentes concertos dados pela banda, por alguns vexames inclusive, já esperava um atraso imenso, falta de qualidade talvez na performance vocal de Axl e qualquer tipo de imprevisto, pois não só dado os fatos recentes, clássicas são as bagunças e confusões desde sempre no âmbito do Guns N’ Roses. No entanto, não houve um grande atraso, subiram por volta das 22:20, após a banda de abertura ter deixado o palco às 21:30. E se tratando da voz, estava sim abaixo daquele padrão antigo, bem abaixo, no entanto, todos já sabem que o ruivo gordicho não tem mais o mesmo pique e, principalmente, a mesma potência na voz, porém o que me incomodou e irritou mesmo foi a baixa qualidade sonora do evento. Não somente quando cantava, mas em momentos de puro instrumental, eram notáveis os ruídos agudos vindos dos PA’s, cujos aumentavam drasticamente quando a voz de Axl entrava, essa que oscilava nos volumes por demais, às vezes mais alto que tudo e estourando as frequências agudas, às vezes tão sumida que nem parecia que cantava o rapaz. Esse quesito foi o mais grave, a sua voz já não está tudo isso, soando às vezes como um falsete, tal como um soprano Mickey Mouse, porém como disse, todos já sabemos como anda sua voz, porém o erro maior foi do equipamento e de seus operadores.
 Enquanto executavam a faixa “Better”, do disco “Chinse Democracy” (que é um bom disco por sinal), Axl interrompeu a música alegando estar ouvindo um ruído no seu retorno, um problema técnico suficiente para que este parasse a música na metade e reiniciasse em seguida, pedindo desculpas por isso. Imaginem se ele ouvisse o que eu estava ouvindo lá atrás...
  A banda é excelente, seus 3 guitarristas intercalam solos e bases entre si, imitando inclusive os timbres clássicos de Slash, principalmente DJ Ashba em “Sweet Child O’ Mine”. Ficou impecável. Todos com seus momentos solo no palco, e um deles , Ron Thal,  tocou e cantou uma música, sendo essa a única que não reconheci no repertório da banda, também este executou de forma sublime o “Tema da Vitória”, aquele do Airton Senna. Foi um grande momento do show.
  Algumas músicas no set surpreenderam, tal como a antiguíssima “Nice Boys”, do disco “Live Like a Suicide”. Foi uma pedrada. “I Used to Love Her” foi também um ponto forte do show, assim como “Estranged”, que havia dado problema no show de Curitiba, me parece. Do Chinese Democracy,  as faixas "Catcher in the Rye" e "Shackler's Revenge" foram destaques. “You Could Be Mine” não ficou legal, a voz parecia que sumia por completo, porém isso aconteceu em todas as faixas, creio, mas nessa foi entristecedor. Talvez sua voz não alcançasse o volume adequado para esta em questão, mas a falha técnica, o maldito zumbido agudo, os sons muitas vezes indecifráveis devido ao espaço não ter um mínimo de isolamento acústico, tornou a coisa bem razoável, mas digo, a falha foi generalizada, e não apenas dos músicos do palco, porém estes deveriam assegurar que o som dos PA’s fosse adequado. Mas talvez fosse isso impossível naquele lugar, que estava lotado.

  Ainda o baixista Tommy Stinson tocou e cantou o clássico dos Sex Pistols “Holiday in the Sun”, que ficou bem legal, sua voz e seu estilo se encaixam totalmente à vibe punk inglês. Antes de "Knockin’ On Heaven’s Door", Axl (que demonstrou simpatia durante o show) dedicou esta às vítimas da boate Kiss em Santa Maria, e a todos que houvessem perdido alguém amado nos últimos tempos. Legal.
 Surpreendeu-me também o cover de “The Seeker”, clássico da banda britânica The Who, executado próximo ao fim do show, com Axl nos vocais. Ficou bem interessante também, mas claro, tudo isso em meio aos zumbidos e sons indecifráveis que, de onde eu estava, incomodavam demasiadamente.
 Chegando então ao fim do show, a banda executa a previsível “Paradise City”, sem bis, deixando de todos os seus grandes clássicos de lado apenas "Civil War", cuja eu ainda tinha esperanças para o final.

 Foi um bom show para mim, que já sabia das possíveis merdas, e também pelo preço que paguei, metade do valor oficial, graças ao Grupon e a um cartão de crédito com crédito. Foi válido, mas se houvesse pago 170 reais, ficado onde fiquei e ouvido o que ouvi o tempo todo, teria me arrependido muito. O show do Slash no Pepsi on Stage foi bem melhor. Depois disso, só volto a assistir ao gordinho ruivo se o cabeludo da cartola estiver do seu lado.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

To the Scarlet Gipsy Pearl

Seu carinho e postura eram inspiração
Sua natureza e espírito amorosos, compaixão

E seus entes com amor
Lhe chamavam de rainha
Cigana escarlate
Música, dança, alegria

E em seus versos apaixonados
A beleza simples surge sincera
Pois bobos são os corações
Das pessoas mais belas

Saudades semeadas amplamente
E lágrimas conformadas comemoram tua vida
Que despediu-se com flores, música,
Orações e poesia

Existência celebrada, contemplada, vivida
Que persiste viva nas memórias restantes
Retorna à terra e ao ar
Seguindo o ciclo constante
Tristezas e glórias sofridas
Realimenta seus filhos e a si no instante
Em que todos somos uma grande célula viva

A mãe severa que cuida e educa
Que brande sobre sua falta de sono
Vinho combustível falante
Jóias, vestidos e sonhos

Dance rainha, dance sua canção
Dance até o fim, na luz e na escuridão
Dance para si e para nós
A sua dança valente
Dance sorrindo, como sempre o fez
Pois tua dança nas nossas memórias
Nunca será diferente




"Bandido bom é bandido morto"

 Um favelado, negro, fumador de pedra que assalta com uma faca, não é menos bandido que um general de dez estrelas que mata milhares, ou melhor, que manda matar, de forma fria e assassina, pelo bem da ordem mundial. 
 Ou ainda, que um advogado corrupto que explora famílias em busca de “justiça”, ou menos bandido que prefeitos, vereadores, deputados, que desviam, alteram, infringem a lei que eles mesmos criaram para beneficio deles mesmos, ou bancários e empresários que abusam do lucro, pois sempre precisam lucrar mais e pagar menos. Também não é menos bandido que muitos laboratórios que investem mais em publicidade, em associações com jovens médicos, oferecendo-lhes benefícios e regalias em troca da venda de seus produtos, do que investem em pesquisas, pois aqueles não trabalham para quem está adoentado, mas sim para quem pode pagar. 
 
 Para haver um bilionário é necessário haver muitos milhões de miseráveis. 

 A publicidade obriga o consumo, mas a economia o proíbe. 

 O consumismo e o modismo querem tornar todos iguais, padronizados pelos ricos, frustrando os pobres, aprisionando a todos. Os da classe média querem o que não têm, escravos do fim do mês e do cartão de crédito. Os ricos, prisioneiros de suas celas pessoais, de imponentes casas cercadas por muros, com seus seguranças, suas tecnologias de ponta, são escravos do individualismo, do medo. E os de baixo, escravos da fome, da ignorância, da perseguição policial, pois nem o direito de ser pobres estes têm, lhes resta comer o que cai da mesa, massacrados pelos ricos, ignorados por todos. 

 Os países responsáveis pela paz mundial são os que mais armas químicas possuem, e os que mais as usaram e os que mais guerras travaram. 

Não há justiça neste mundo sem pé nem cabeça. 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Canção de Amor

Eu sei que já disse que não queria mais nada disso
Todos passamos por momentos ruins
Eu sei que quero estar sempre mudando
Não quero mais ter receio
Não vou mais imaginar o fim

É tudo tão bom, lindo, nesse sonho veloz
Mas o hiato também nos aproxima, nos faz viver
E no próximo beijo
O amor é ainda maior

E até nos momentos que quero estar sozinho,
Ou estou na noite embriagado
Saiba que eu estou com você

E quando estúpido eu conjeturo teu passado
Lembro teu sorriso, no presente
Que põe minhas bobagens de lado

E se tremo, às vezes, por questionar o sentido
Lembro da nossa felicidade, de nossos prazeres
E essa angústia passa, pois de novo tu estás comigo

Um Poeta

O (oh!) que é?
Mas que merda é um poeta?
Um sopro? Um medo?
Uma dor? Um porre?
O fim? O começo?
Alguma coisinha? Algo amargo?
Algo simples? Tudo? Nada?
Nada é tudo, tudo não faz sentido

O poeta é o nada, o tudo
O mundo, o moribundo
O infeliz, o sortudo
O nada é tudo
O surdo é mudo
O medo é o absurdo
O fim é o segundo.
O segundo de uma contagem infeliz infinita
O tempo de um absurdo
O amor de um moribundo
O poeta é o submundo
O ridículo, o inoportuno
O imprevisível, o inseguro
O nada, o tudo
O meu absurdo
O meu desconforto, o meu infortúnio
A minha vida, o meu túmulo.