quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Capitão Rodrigo - A Saga De Um Homem Comum

  Nessa terça feira, dia 10 de novembro, a banda apresentou o seu show intitulado A Saga De Um Homem Comum, no teatro Carlos Urbim na 61ª Feira do Livro de Porto Alegre, para um público que lotou, viu e ouviu entusiasmado a ópera rock da banda porto-alegrense. 

 A banda é bastante conhecida por suas performances teatrais, vinculadas a cenários e a figurinos deslumbrantes que ilustram o show dessa trupe de artistas, misturando o teatro e o rock para criticar com bom humor as mazelas de nossa sociedade. 

 Sob a produção do grupo Mosaico Cultural, que é formado pelos próprios músicos e demais parceiros, a Capitão Rodrigo abrange para além do gênero que sustenta a alcunha do espetáculo tal como uma ópera rock, trabalhando muito sobre um groove funkeado -  o clássico soul ou r&b - que já são marcas registradas do estilo sonoro da banda, porém vão mais longe, inserindo outros ritmos brasileiros oriundos do nordeste e demais regiões, ainda com os acordes milongueiros de outrora, mas com passagens que remetem ao rap, ou até mesmo ao funk carioca, além de momentos em que a música passa a ter uma cor e uma atmosfera infantil, criando alusões ao que é contado no palco de forma linear, a saga de Pompeu Homero; sua infância dura, suas descobertas adolescentes, sua revolta infernal, a ascensão na mídia e sua final e fatídica queda. 
 O show faz críticas satíricas e contundentes ao sistema político, às corruptas instituições religiosas e à mídia sensacionalista, com releituras instrumentais de antigos temas da banda, além de novas versões de algumas de suas canções que somam de maneira literal a saga de Pompeu, numa narrativa performática cuja prende de imediato a atenção do público, com projeções no palco e ainda, com alguns dos integrantes tocando e cantando em meio à plateia, esta que impressiona-se com a energia carismática do grupo. A Capitão Rodrigo ainda se permite a não ter pudor ou papas na língua quando critica de forma bem humorada setores poderosos de nossa sociedade, proferindo alguns poucos palavrões, tão comuns e corriqueiros, mas que ainda chocam parte da público. Das inúmeras referências possivelmente percebidas, é notável a figura do Diabo que entra em cena, esta que fala num sotaque que lembra entidades religiosas de matrizes africanas, algo talvez entre um Preto Velho fanho e a Pomba Gira, porém trajado como um cangaceiro que ostenta grandes aspas; uma figura que, tal como as demais, passeia entre o cômico e o trágico, condenando, por fim, a personagem principal após as barbaridades que esta cometeu, que incluem o assassinato dos próprios membros da banda, numa ótima passagem do show onde as projeções no palco ilustram o sangue derramado pela fúria justiceira de Pompeu Homero. 

 Formada por Rafa Cambará, que canta na voz principal e toca acordeon; Ju Rossi, que além de também cantar, toca saxofone, dança e interage em meio ao público por vários momentos; Nando Rossa na guitarra e vocais; Cuba Cambará no teclado e pandeiro; Gilberto Oliveira no baixo e na direção musical e Eduardo Schuler na bateria, toda a banda atua caracterizada e canta em coro A Saga De Um Homem Comum, onde ainda os músicos Nando Cambará e Gilberto Oliveira trocam seus instrumentos durante o show, permitindo que o então baixista execute magníficos solos de guitarra, num ótimo espetáculo sonoro e visual que faz com que o público se divirta e reflita criticamente sobre a sociedade contemporânea, enchendo os olhos de maneira teatral, e os ouvidos com boa música.

http://www.capitaorodrigo.com.br/



terça-feira, 13 de outubro de 2015

Sepé Tiaraju - Romance dos Sete Povos das Missões


Dedico este livro a todas as minorias raciais que nesta e noutras regiões do globo lutam por sua dignidade e sobrevivência. Alcy Cheuiche


  Não creio ser apto para fazer uma resenha verdadeira desta obra, posso dizer apenas que é magnífica, histórica e emocionante, contando desde os tenros dias da personagem narradora em sua cidade natal, Amsterdã, toda a aventura cruzando o Atlântico ainda com 15 anos de idade na companhia fiel do exímio timoneiro, a personagem chamada Bel Ami, que viria a ser também um dos heróis da história; a chegada na América, com a passagem trágica pela Ilha de Páscoa; a conversão à doutrina jesuíta, e por fim, a viagem ao sul da América, desde o Peru, passando por Buenos Aires até o destino final, as Missões do Rio Uruguai. Mas o emocionante mesmo é a altivez e a bravura da personagem que dá título ao livro, fazendo umedecer os olhos do leitor mais atento e sensível nos momentos em que mais intensa se torna a narrativa, tal como quando o jovem índio guarani é eleito pelo povo o novo Corregedor de São Miguel, sendo o seu discurso perante os demais líderes um dos grandes momentos da obra; também quando do seu resgate em Buenos Aires, onde graças ao timoneiro Bel Ami, o padre Miguel, ou Michael, salva o seu pupilo da morte certa pela forca nas mãos dos “civilizados” da cidade portuária, sendo tal operação fatal para o velho marujo, que tanto ensinou ao jesuíta. Mas ainda mais emoção é alçada à imaginação do leitor quando, por fim, se travam as sangrentas batalhas dos povos livres das Missões contra os exércitos de Espanha e Portugal, que almejavam invadir e destruir as cidades à esquerda do rio Uruguai, expulsar o seu povo e afanar suas riquezas, após a assinatura do maldito Tratado de Madrid em 1750, e na figura de Sepé Tiaraju os índios resistem bravamente, até que não era mais possível enfrentar com lanças e flechas os mosquetes e canhões europeus, tombando então o grande líder, talvez o maior, o mais bravo e justo dos líderes desta terra que se orgulha pelos motivos errados.
 Lembro o discurso emocionado do autor e professor Alcy Cheuiche na Feira do Livro de Porto Alegre, relatando a tragédia; o absurdo desumano que foi o massacre proferido pelas tropas aliadas ao povo das Missões, que viveu livre por mais de cem anos em sua sociedade socialista e cristã, lendo o trecho final do livro no evento segurando as lágrimas, no momento em que tomba o grande herói guarani e símbolo da resistência. Ao menos hoje, mais de duzentos anos após a sua morte, a história de Sepé Tiaraju é recontada, envolta em lendas e fatos, através da literatura e da arte em geral, mas como ainda não se produziu um filme de longa metragem digno de tamanha saga heroica? Enfim, é nosso dever garantir que essa história nunca seja esquecida e que se valorize os verdadeiros heróis desta sociedade construída sobre o sangue indígena.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Queen - 40 anos de A Night At Opera e show em Porto Alegre



 Após quatro décadas do maior êxito da história da banda, o Queen, acompanhado do vocalista Adam Lambert, retorna ao Brasil para o Rock In Rio, e ainda pintou por Porto Alegre também, fazendo um show memorável, repleto dos maiores clássicos, grande performance e todo o glamour que é marca registrada da banda, mesmo após a morte de seu frontman e principal compositor, o gênio Freddy Mercury.
 A Night At Opera, lançado em 21 de novembro de 75 na Europa e em 02 de dezembro nos EUA, foi produzido sob enorme pressão, pois o Queen era uma banda subestimada nos anos 70, e a gravadora cobrava um hit de sucesso que tomasse as rádios e desse o retorno financeiro necessário para cobrir os altos valores gastos deste e também dos primeiros discos, que sempre foram complexos e expansivos, recheados de harmonias e arranjos muito elaborados, o que exigia bastante tempo e dinheiro para as suas produções. O Queen se encontrava numa sinuca de bico, ou o novo disco seria um sucesso ou estariam na rua! Já que agora assinavam com uma nova gravadora e assumiam as diretrizes empresariais da banda. O que aconteceu foi que, tal como nos seus antecessores, o trabalho manteve o alto nível técnico e audacioso, com composições tão complexas quanto distintas umas das outras, sendo ainda hoje um dos grandes discos de rock em que mais gêneros musicais são explorados, desde o country até a ópera, e ainda, a banda manteve-se firme em relação à sua fidelidade artística, não recuando quando a agora nova gravadora, a Swan Song Records, não entendeu; não acreditava que a faixa Bohemian Rhapsody poderia ser a música de trabalho a ser enviada às rádios. Mesmo numa época em que o progressivo imperava no mercado, a música era tão diferente que poucos apostavam no seu sucesso, o que de fato ocorreu, tanto que hoje ainda falamos disso. Então com o sucesso absoluto de Bohemian Rhapsody, o Queen finalmente saiu de vez do status de promessa para o de consagração, e o disco vendeu milhões, graças às incessantes transmissões da faixa de quase seis minutos nas rádios pelo mundo. Mas aqui é que se vale este texto, pois A Night At Opera não apenas é consagrado graças a esse clássico, mas também por ser um dos discos mais geniais, ecléticos e audaciosos da história da música.
  A faixa de abertura, Death on Two Legs, com seu inicio marcado pelo piano e guitarra, já dá a cara da banda que seria conhecida mundialmente, seguindo a linha dos outros discos com um hard rock glam de levadas típicas e com abundância em harmonias vocais, como sempre também ocorria nas músicas do Queen, porém o detalhe nessa faixa é a letra que, mesmo sob algumas metáforas e indiretas, reflete abertamente a cobrança financeira da antiga gravadora e da insatisfação da banda com o seu ex empresário, virando uma resposta em forma de música, amarga e triunfante: “Are you satisfied? Do you feel like suicide? I think you should, is your conscience all right? Does it plague you at night? Do you feel good?”, nitidamente  uma provocação, ainda mais por tal faixa abrir o disco, o que até gerou um processo pelo ex empresário, mas que acabou arquivado. A segunda faixa possui nos seus 1m58 segundos uma levada que lembra os antigos cabarés europeus, com um aspecto teatral, um pouco exagerado e pomposo e com um leve efeito nos vocais, atuando como um interlúdio no disco, a sua letra reflete a semana de um cara “comum”, que sai pra ver a lua nas terças, nas quartas pedala sua bicicleta, nas sextas pinta telas no Louvre e que fica bastante preguiçoso no domingo à tarde... Uma letra sem grandes peculiaridades em se tratando de Queen. Na sequência temos a faixa I’m In Love With My Car, escrita e cantada pelo baterista Roger Taylor, um hard rock simples que fala do amor pelos carros, tendo Taylor se inspirado por um dos técnicos da banda que possuía um Triumph TR4 e que dizia ser o amor de sua vida, o Queen adentra os anos 80 mantendo essa faixa em seu repertório, sendo o momento em que o baterista se destaca pela sua técnica apurada aplicada à percussão e aos vocais simultaneamente, o que sempre o faz durante os backing vocals, mas nessa assumindo o vocal principal. A quarta faixa é a segunda de maior êxito comercial do disco na época, You’re My Best Friend tem como tema principal a levada de um piano elétrico, o que gerou uma pequena discórdia na banda, pois a composição do baixista John Deacon teve resistência por parte de Mercury para a execução de tal instrumento, o que fez com que o próprio Deacon gravasse a parte do piano, deixando apenas os vocais para Mercury. Mais tarde nos shows da banda, Mercury executava a faixa em um piano convencional, como pode ser ouvido no álbum ao vivo Live Killers, de 79. A letra é dedicada à esposa de Deacon, sendo até hoje uma das mais belas canções da história da banda, com uma melodia pop, porém bela e emotiva, um dos grandes clássicos eternos desse álbum. Na sequência temos a música 39, que soa algo como um country rock progressivo, cheia das agudas harmonias vocais de Taylor, levada principalmente pelo violão e com a primeira aparição no disco de Brian May como cantor principal.
Ao vivo nos EUA em 77
Escrita pelo guitarrista, a música tem uma letra intrigante e controversa, pois de acordo com o próprio, ela faz referência aos astronautas no espaço, suas histórias, nostalgia e retorno a terra, sendo hoje ele mesmo um astrônomo referencial, porém popularmente fala-se que a letra remete aos anos duros da Segunda Guerra Mundial. Fato é que, tanto pensando de uma forma ou de outra, a letra soa bela e poética. Destaque para a curta, porém ótima performance de George Michael nessa faixa junto ao próprio Queen em 92, no tributo a Freddy Mercury, morto em 91, organizado pela banda e contando com vários cantores renomados do rock e do pop mundial, George Michael ainda faz um discurso falando do preconceito sobre os homossexuais e a AIDS, que assolava o mundo na época e que vitimou o próprio Freddy Mercury, cantando também a faixa Somebody to Love, do disco A Day At Races, no grande evento que contou ainda com Elton John, David Bowie, Axl Rose, Slash, Roger Daltrey, entre outros. A sexta faixa do álbum, Sweet Lady, remete novamente ao hard rock glam habitual da década, pesada, lembrando imediatamente nomes como Slade e Kiss, música esta que é seguida por Seaside Rendezvou, outra no trabalho que leva diretamente ao clima de cabaré, com inúmeras referências à boemia francesa e ao seu glamour, a curiosidade é que a faixa possui solos vocais que imitam instrumentos de sopro executados por Taylor e Mercury, obtendo esse efeito distorcendo as vozes no estúdio. A oitava obra do disco é imensa e complexa, The Prophet’s Song é algo épico e audaciosamente grandioso, trabalho típico dos nomes do rock progressivo da época, megalômana com perfeccionismo. A faixa possui 8m20 segundos de arranjos complexos de cordas e vocais, uma melodia que transcorre obscura e um peso que complementa o clima mítico da música. Ela abre com uma introdução instrumental tocada por May no koto, um exótico instrumento de cordas japonês, criando uma atmosfera de fato profética e misteriosa, seguida pela voz de Mercury cantando as palavras: “Oh! Oh! People of the earth, listen to the warning, the seer he said”, iniciando essa obra que pouco perde em complexidade para Bohemian Rhapsody, contando com o vocal de Mercury ao seu estilo operístico, ainda uma sessão de voz accapella ao meio da música, criando camadas de vozes que se intercalam de maneira psicodélica e orquestral, seguida pela guitarra de May que também faz uso de camadas em stereo, criado um efeito epicamente assombroso e fantástico, retornando ao peso e finalizando novamente com o tema de abertura ao koto. A letra escrita por Brian May faz jus a todo esse clima épico e progressivo, alertando sobre um profeta que declararia o fim dos tempos através de um sonho que teve o protagonista da narrativa, implorando à humanidade que ouça as palavras do profeta de sua memória e que corram por suas vidas, se tornando ele mesmo um pregador da profecia vista em seu sonho: “I dreamed I saw on a moonlit stair, spreading his hand to the multitude there, a man who cried for a love gone stale, and ice cold hearts of charity bare”, criando uma obra poderosa e assustadora. May teria sido inspirado por um sonho que ele mesmo teve durante o período em que esteve doente com hepatite em 74, vítima de altas febres e alucinações. Colada na sequência temos outro grande hit do disco, que se proliferou ainda mais após os grandes concertos da banda nos anos 80, onde Freddy Mercury cantava junto apenas de Brian May ao violão de 12 cordas e do público, as palavras amorosas e melancólicas de Love Of My Life. A música também conta com uma alta produção, recheada de linhas de harpa e piano, as características partes solo da guitarra e harmonias complexas de vocais. Sua letra, apesar de melancólica, trataria de uma homenagem à Mary Austin, ex namorada de Mercury e sua fiel amiga até os seus últimos dias de vida, sendo hoje umas das mais belas e conhecidas canções da banda.  A décima faixa é outra composição de Brian May em que este atua como cantor principal, Good Company é inspirada pela vida de seu pai, um homem que é aconselhado pelo pai a ter uma boa família e a cuidar dela, mas que acaba solitário na velhice. A música é puxada pelo ukelele, tendo uma levada que lembra as antigas bandas de jazz de salão, mas com as camadas de guitarra características de May.


Muito já se falou da próxima faixa, a mais complexa composição de Freddy Mercury, que é absolutamente uma das maiores obras da história do rock, Bohemian Rhapsody é única, nunca havia sido feita uma música tal como esta, que logo ao ser lançada como single e, iniciando também de certa forma, em conjunto com outros,  a era dos videoclipes, explodiu nas rádios ao redor do mundo todo, com o seu vídeo alavancado ainda mais o sucesso da faixa, que inicia com as clássicas camadas de vozes fazendo complexos acordes, indagando ao ouvinte: “Is this the real life? Is this just fantasy? Caught in a landslide, no escape from reality...” que mescla momentos melódicos e emotivos, levados pelo piano e pela linda voz de Mercury, que na letra também dialoga com a mãe sobre arrependimento, tristeza e vazio: “Mama, I don't wanna die, I sometimes wish I'd never been born at all”, mas que vai crescendo e mudando até se tornar uma ópera complexa com inúmeras camadas de vozes se intercalando, onde todos os membros da banda cantam palavras e expressões como: Mamma Mia, Galileo, Fígaro, Bismillah, Fandango, Scaramouch, Beelzebub, num momento da letra onde a compreensão literal se faz praticamente impossível, sugerindo apenas que o narrador se encontra em um julgamento infernal, onde um coro acusa e outro defende,  fato é que, tanto em seu início, em algum momento no meio e também no seu fim, a letra é melancólica e soturna, tratando de um indivíduo triste e arrependido por talvez ter matado alguém, em uma clara crise existencial, mas que na parte pesada, logo após os cânticos operísticos, parece ostentar uma certa revolta, mas que no fim retorna ao clima niilista: “Nothing really matters, anyone can see, nothing really matters to me”. Há muita controversa em relação à letra e seu significado, porém não há quase nenhuma em relação à genialidade de Bohemian Rhapsody e seu legado. A música deu trabalho, foram pelo menos três semanas de inúmeras sessões apenas paras as vozes, e com a tecnologia de 24 canais da época, muitas colagens de gravações que foram feitas separadamente foram necessárias para que se obtivesse o resultado final, sendo de fato uma das mais caras produções da época, por isso também o fato de que, não fosse a música um sucesso imediato, o Queen estaria falido. Encerrando o disco temos a versão instrumental do Hino Nacional Britânico, ou melhor dizendo, o canto monárquico imperialista God Save The Queen. A versão foi composta por Brian May ao piano ainda em 74, depois sendo refeita na guitarra para o disco. Em algum contexto, ela pode soar como uma peça nacionalista, no entanto, é óbvio que se trata apenas de uma alusão ao próprio nome da banda, o que acaba por soar nacionalista e ultrajante de uma só vez. Fato que a banda não executa tal faixa ao vivo, sendo apenas tocada pelos PA’s nos seus shows até hoje, quando então os membros agradecem ao público.



 A verdade é que nesse disco o Queen trabalhou, arriscou e investiu muito mais do que nos seus antecessores, fazendo uso de instrumentos inéditos na sua discografia, assumindo as diretrizes empresariais sob uma nova gravadora, gastando ainda mais dinheiro do que nos outros trabalhos, por isso, é de se imaginar a tensão financeira que rondava a banda, porém a convicção artística, o talento e a genialidade de todos os membros da banda definiram e garantiram que saísse o disco e, por fim, fosse o estrondoso sucesso que foi. O disco deu trabalho, mas foi finalizado em aproximadamente um mês de mixagens de muitas horas de trabalho, já que todos os membros gravaram suas partes separadamente em estúdios distintos, o que restou a fazer foi juntar tudo e trabalhar basicamente as camadas de vozes em um mesmo estúdio na Inglaterra, sendo posteriormente feita a masterização pela própria banda, acompanhada apenas do produtor técnico Roy Thomas Baker, mas ainda sim, o disco só foi finalizado de fato apenas três dias antes do lançamento. Em uma entrevista para a revista Rolling Stone em 1976, Freddie Mercury declarou: “Gravar A Night At The Opera foi uma experiência incrivelmente gratificante (...) pela primeira vez pudemos usar toda a nossa criatividade e deixar a nossa loucura fluir. Tudo o que não pode ser feito em Queen II fizemos com ele (...) foi um desafio é claro, porque somos um quarteto de perfeccionistas, mas tivemos a chance de nos testar ao limite pra ver se éramos tão competentes quanto pensávamos, e no fim, tudo valeu a pena (...) esses dias no estúdio fizeram eu me lembrar o porque de eu ter escolhido essa profissão."


Queen Em Porto Alegre


 Neste ano de 2015, que marca a passagem dos 40 anos do lançamento de A Night At Opera, o Queen retorna ao Brasil fazendo um show de grande repercussão no Rock In Rio, onde realizou um dos maiores shows da história da franquia lá em 85, e passando em seguida pela capital gaúcha no dia 21 de setembro, no ginásio Gigantinho, acompanhado do vocalista Adam Lambert. Após aquele grande tributo realizado em 92, a banda percebeu que podia seguir realizando shows pelo mundo, que o público aceitaria, pois mesmo que Freddy Mercury seja incomparável, todos os membros compunham e são responsáveis pelo sucesso da banda, e que com um vocalista adequado, poderiam sim dar sequência ao seu legado, ao menos para grandes concertos repletos dos maiores clássicos, porém o baixista John Deacon não pensava assim, e logo após o show tributo de 92, deu adeus à banda, com o Queen seguindo carreira com apenas dois de seus membros originais, Brian May e Roger Taylor. Passaram-se ainda alguns anos antes do Queen voltar a fazer shows oficiais, foi então que em 2004 a banda foi indicada ao UK Music Hall e Brian May convidou o experiente Paul Rodgers (Free, Bad Company) para cantar junto ao evento, fechando a parceria, e em seguida, saindo em uma turnê mundial em 2005, lançando um álbum ao vivo chamado Return Of The Champions, com músicas do Free, Bad Company, e claro, do Queen. 

 A química entre eles foi tão satisfatória que ainda rendeu um álbum de estúdio em 2008, intitulado The Cosmos Rocks, além de outros projetos ao vivo. Esse fato é descrito aqui principalmente para aqueles cuja recente turnê da banda soe desrespeitosa para com o legado de Freddy Mercury, evidenciando que o Queen já havia trabalhado bastante antes da entrada do jovem Adam Lambert, por isso, não há novidades quanto ao fato da banda sair em turnê mundial acompanhada de um novo vocalista. Adam Lambert é também ator, atuando em musicais desde os 10 anos de idade em inúmeros espetáculos. Em 2009, participou da oitava edição do American Idol, ficando em segundo lugar, onde na final, além de cantar junto da banda Kiss os clássicos Beth, Detroit Rock City e Rock N’ Roll All Night em um medley, ainda também cantou a faixa We Are The Champions junto do Queen, além de já haver cantado na estreia do programa a música Bohemian Rhapsody. Ainda em 2009 lança seu primeiro disco solo, o qual teve boas vendas e críticas, inclusive do próprio Brian May, sendo assim, em 2011 a banda realiza diversas apresentações junto de Lambert, que já era uma estrela do público adolescente na época, porém com um certo prestígio também entre alguns dinossauros da música, e desde então vem se apresentando junto à banda, saindo numa grande turnê mundial em 2014, esta que adentrou 2015 e teve passagem pelo Rock In Rio e por Porto Alegre. Com um estilo totalmente voltado para o glam, estilo cujo, além do ícone David Bowie, (que gravou com o Queen o clássico Under Pressure) também Freddy Mercury e toda a banda caracterizava-se nos anos 70 como entusiastas desse estilo visual, com muita maquiagem, glitter e glamour, fazendo sucesso entre o público gay, principalmente no começo dos anos 80, por isso então, a escolha de tal vocalista para assumir o posto de frontman também não seria tão estranha em se tratando de uma personagem que ilustra, ao seu estilo, o que o Queen sempre fez em matéria de performance e visual, porém há o fato de Lambert ser um exímio cantor, com um grande alcance vocal, com ótima técnica e impressionante presença de palco, mostrando segurança e atitude, assumindo de vez o posto de frontman de uma das maiores bandas de todos os tempos. As comparações musicais com Mercury são incabíveis, nunca houve e nem haverá alguém como Freddy Mercury, porém como um vocalista que defende e assumi um show performático, Adam Lambert não deixa em nada a desejar. 


Adam Lambert e Brian May no show em Porto Alegre/agência RBS

 O show em Porto Alegre apresentou uma estrutura e um som surpreendentes, pois é de conhecimento que o ginásio Gigantinho não detém uma acústica adequada para grandes shows, porém o que se ouviu foi um som de qualidade, com volume e brilho. A banda despejou seus clássicos de maneira sublime, com vigor e entusiasmo, fazendo o público se emocionar, pois praticamente todas as músicas do repertório eram de conhecimento de todos ali presentes, exceto a faixa Ghost Town, da carreira solo de Lambert, cuja se adequou até bem ao show, não deixando com que este decaísse, apenas fazendo alguns dos ouvintes estranharem e se perguntarem “que música é essa?”, e outros irem ao banheiro e afins. Em clássicos absolutos como Radio Gaga, Fat Bottomed Girls, Who Wants To Live Forever, Tie Your Mother Down e Somebody To Love, a voz e a performance de Lambert foram muito satisfatórias, levando o público ao êxtase, agradecendo enfaticamente aos fãs e a banda por permitirem que ele assumisse o tão famigerado posto. Em outras, como Crazy Little Thing Called Love e Another One Bites The Dust, talvez o seu timbre mais agudo ou alguma outra coisa não o tenha facilitado, mas longe de soar ruim ou deslocado. Tivemos ainda o dueto de Roger Taylor com o novo vocalista em Under Pressure, onde o baterista tocou em outro set armado em frente ao palco, o que foi exuberante, e ainda, Taylor fazendo a voz principal em These Are The Days Of Our Lives, do último disco do Queen lançado enquanto ainda vivia Freddie Mercury, Innuendo, de 91. Além dos dois membros originais da banda e o novo vocalista, ainda compõem no palco o tecladista Spike Edney, o baixista Neil Fairclough e o percussionista Rufus Tiger Taylor, que é filho de Roger Taylor, sendo Rufus então quem executa a bateria enquanto Taylor assume o vocal e o palco em These Are The Days Of Our Lives. Entre todos os grandes clássicos, há dois em especial que, de fato, leva às lágrimas grande parte da audiência presente, um deles é Love Of My Life, pois é quando Brian May assume a frente do palco com o seu violão e pede ao público que cante junto “por Freddy”, enquanto este aparece no grande telão e sua voz gravada de outro concerto é projetada pelos PA’s, fazendo emocionar qualquer fã do Queen de verdade, tal como acontece na primeira parte de Bohemian Rhapsody, um momento artificial, porém épico, que remete e faz-se perceber o tamanho deste artista e seu infinito legado. Ao final do show, as já esperadas apresentações de We Will Rock You, seguida de We Are The Champios, com Lambert vestido a rigor tal como uma majestade, numa alusão direta ao que o próprio Mercury fazia no passado. Um grande espetáculo de som, de performance e de emoção, e é exatamente isso o que o público buscava, ver de perto os grandes ídolos do passado no palco, numa performance profissional, competente e satisfatória a qualquer fã da obra do Queen e de Freddy Mercury, pois este, infelizmente, nunca mais será visto e ouvido ao vivo novamente. Contentemo-nos então com a celebração. 









segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A Revolução dos Bichos - George Orwell


 “[...] As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco”, do trecho final da obra.

 Mais do que uma crítica árdua ao comunismo em si, é de fato, como revela o próprio autor, uma tentativa de resgate da ideia socialista original, e a exemplificação da transformação causada pela tomada de poder na mente da maioria dos homens, que acaba por corromper o espírito da revolução, transformando em verdadeiros déspotas os seus líderes. É uma crítica, como quem já leu o clássico bem sabe, satírica sobre o stalinismo e suas práticas, e que na cena final - o que fez com que a própria CIA, que o distribuía como propaganda anticomunista, ocultasse de sua publicação animada - remete à comparação do regime stalinista com o regime capitalista, sendo duas faces opressoras de uma mesma moeda, cena esta que satiriza o encontro entre Churchill, Roosvelt e Stálin em Teerã, onde não se distinguiria os tais porcos dos humanos. Também pode ser apontada como talvez uma singela propaganda ao anarquismo de Mikhail Bakunin, mesmo que não intencionalmente, já que este rompe com a Internacional Socialista de Marx, de quem fora admirador, denunciando qualquer posicionamento superior de líderes políticos, se distanciando do comunismo que poderia, como se provou mais tarde, enveredar para uma ditadura sangrenta, abolindo totalmente a ideia de Estado, de classes e de fronteiras em seus manuscritos. A lição que fica do clássico, esta que seguirá imutável mesmo que passem 500 anos de sua publicação, e que é brilhantemente apontada no posfácio de Christopher Hitchens, é que “aqueles que renunciam a liberdade em troca de promessas de segurança acabarão sem uma nem outra”, e principalmente, a valorização das aulas de história, donde podemos tomar conhecimento de que nem sempre foi assim, nem tudo o que está escrito é verdade, e que não importa a cor da bandeira do regime ditatorial, a opressão e a mentira estarão presentes sempre que houver um grupo que manda e lucra e outro que apenas segue ordens, pois de fato existem apenas duas classes de seres humanos, os vivos e os mortos.


domingo, 6 de setembro de 2015

Narcos - 2015


 Não decepciona a primeira temporada de Narcos, pois há uma ótima presença de Wagner Moura interpretando o mítico gangster, convencendo bem com seu espanhol estudado e ensaiado e com sua forte presença. É um grande ator. Também sequências de perseguições em cenários típicos que desenham o ambiente de maneira realista, com muita inserção de fotos e vídeos históricos. Com certeza, uma ótima série de ação com relevantes fatos reais, que revelam parte de como se formaram os grandes cartéis narco traficantes da Colômbia. Mas também é notável na série um senso de imparcialidade, onde o narrador, membro da DEA, não omite as inescrupulosas manobras de seu famigerado país, CIA, exército, embaixadora e dele próprio, que para atingir sucesso em sua busca, foge às regras junto de seu parceiro, indo contra aos seus próprios princípios nacionalistas, me parece que em parte a série enfraquece essa ideologia patriótica imperialista estadunidense, e isso é bom. O que a série também vende em parte, o que também é claro em séries como Breaking Bad e Game of Thrones, por exemplo, são as personagens ambíguas, os anti heróis, o conceito de que, todos temos o bem e o mal dentro de si, ninguém é inocente, não há heróis, há conveniências. Pablo Escobar queria o congresso e o populismo, os “heróis” que o perseguem são apenas três, além da dupla de agentes que escapavam de seus protocolos e desafiavam seus superiores, cada um com suas motivações, o militar Carillo é o perseguidor de maior idoneidade e bravura entre eles, um colombiano, enquanto o governo gringo queria apenas perseguir os “comunistas”, ou seja, só o confronto político de quem manda mais com a velha USSR importava, foda-se a Colômbia, foda-se a Nicarágua, só o poder vale, apenas quando se deram conta do império que se levantava, tendo como mercado o seu próprio jardim, é que os estadunidenses fingiram se importar, porque apenas, de novo, alguém poderia se equiparar em algum aspecto com o Tio Sam e sua prepotência. A série evidencia isso na primeira metade da primeira temporada, por isso enfraquece essa visão heróica que Hollywood sempre vendeu pro mundo, a arrogância norte americana é exposta através das personagens, e isso a desmoraliza, além de quando ocorre o nítido acordo ao final com o cartel de Cali, evidenciando ainda mais o anti heroísmo da obra. Também uma boa trilha sonora com clássicos latinos e o tema de abertura de Rodrigo Amarante, que caiu bem. Além dos brasileiros Wagner Moura e André Mattos no elenco, a série tem a direção e roteiro de José Padilha em alguns episódios, que conta ainda com o chileno Pedro Pascal como Javier Peña, o príncipe da casa Martell assassinado na arena em GoT, e Boyd Holbrook como protagonista, o agente Steve Murphy, mas o destaque do elenco é de fato Moura, que engordou 20 quilos para o papel. O trabalho é feito por gente de experiência em muitas das outras grandes séries produzidas recentemente, tendo o criador Chris Brancato já trabalhado em séries como Arquivo X e Hannibal, porém a troca de diretores constante pode ter alterado o ritmo dos episódios entre si, mas creio que isso seja normal e proposital, fato que é uma grande série, que foca mais nos conflitos em torno das personagens principais, evitando uma glamurização de festas e outras possíveis extravagancias ocasionadas pelo consumo de drogas, é raro ver alguém usando a cocaína na série, apenas a maconha tem seu consumo bastante mostrado, além da planta em si, o que acontece também com a coca no início, mostrando parte de como ocorre a fabricação da droga. Tudo indica uma próxima temporada ainda sobre a saga de Pablo Escobar, basta que siga com a qualidade desta que o sucesso aumentará. Recomendo!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A Maldição de Frankenstein - 1957



 Se analisarmos a obra como sendo uma interpretação à parte do romance original, mesmo hoje, o filme pode ser considerado um marco referencial do gênero, o que de fato é, pois foi a primeira imersão no universo do horror gótico da produtora inglesa Hammer, lá nos idos de 1957, e que foi objeto de sua dedicação até o final dos anos 70, despontando estrelas como Peter Cushing e Christopher Lee.

 A Maldição de Frankenstein foi um sucesso na época, o que fez com que a Hammer seguisse apostando no gênero, no entanto, nem de longe desencava os sentimentos angustiantes, a melancolia e o clima lúgubre e amaldiçoado que inunda toda a extensão do romance de Mary Shelley, pois como dito, essa é uma interpretação bem diferente do romance, o que pode ter sido causado por questões dos direitos sobre a obra original, por isso, além dos nomes de algumas personagens da trama, apenas o fato de Victor Frankenstein ser um cientista obcecado pelo seu trabalho, que consiste em dar vida a uma criatura formada por partes distintas de cadáveres, é idêntico ao livro, o que é obrigatório no filme que detém tal título, no entanto no filme, o cientista assassina parte das vítimas que compõe o corpo de sua criatura, fato extremo que não ocorre no livro, dentre outras particularidades da película bem distintas do original. Mas temos pequenas alusões também, por exemplo quando a criatura encontra-se com um velho cego em um bosque, o que no livro se dá de maneira e circunstâncias muito diferentes. Não temos o drama nos confins dos gelos polares que dão inicio à obra, e que também ambienta o seu triste desfecho, o filme se passa todo na casa de Frankenstein, que a herda ainda muito jovem, quando então começa os seus estudos macabros, apoiado pelo tutor contratado. No livro, esse processo de aprendizado se dá de maneira muito diferente, com Victor mergulhando de fato em sua pesquisa apenas quando sai da casa de seus pais em Genebra, estudando autores alquimistas considerados ultrapassados em sua época, em uma obsessão que ultrapassa qualquer limite de sanidade, o que lhe faz cair doente e termina por desgraçar toda a sua família. Claro que a devida ambientação traria gastos exorbitantes à produção, além de que, provavelmente teria um resultado desastroso, dessa maneira, o diretor Terence Fisher consegue dar vida a uma nova obra baseada no clássico romance, e que obteve o êxito merecido, difundindo o gênero a inúmeras gerações que viriam a seguir. 
 Enfim, o filme como uma obra independente é muito bom, com um cenário e um clima que, com certeza, aterrorizou o público na época de seu lançamento, mas que hoje, não passa de uma referência histórica, trazendo diversão ao público, e também o deslumbre de um dos primeiros trabalhos de sucesso de Christopher Lee, que encarna o monstro, ator cujo hoje é cultuado por legiões de fãs, por seus inúmeros trabalhos desde a época na Hammer.

 O filme faz parte da mostra Hammer - 80 anos de Horror, na Sala P. F. Gastal, que fica no 3º andar da Usina do Gasômetro. A mostra vai até o dia 16 de agosto, abaixo o link.



terça-feira, 28 de julho de 2015

Eclético


 Eu gosto de Dead Kennedys e de Roupa Nova. Ouço de Los Hermanos a Impaled Nazarene, de Rhapsody a Soda Stereo. Sou muito influenciado por nomes distintos como Radiohead e Def Leppard, também desde Beatles a Muse. Adoro jazz, country e samba também. Por isso há a necessidade de se classificar eclético, mesmo que o sendo dentro de certas limitações, mas que não são tão específicas. Gosto da música pura, e também da música ideológica, falando de amor ou protestando, com crítica social ou besteirol sexista, música política ou non sense, erudita ou marginal. Não é numa banda de punk, de blues ou de heavy metal que eu me satisfaço, mas numa banda que faça tudo isso, de maneira radicalmente livre, simplista ou experimental. Pois toda a afirmação é uma negação. Tampouco me importa a língua cantada, só o bom gosto e a qualidade é que importam, e a impressão de sinceridade e excelência naquilo que se faz e que se mostra pro mundo. O universo musical se resume cientificamente apenas em Nota e Ritmo, o resto é arte, e cada um sabe o que é melhor pra si e pra seus ouvidos. 
 
 
Queen - A Night At The Opera - 1975
Dentro do rock, há inúmeros artistas que se propõe a essa liberdade de experimentação, desde os anos 60, quando a música oriental e os recursos de estúdio aprimorados deram uma outra dimensão para a música pop desde então. Dentre muitos, nos anos 70 o Queen, com o seu genial A Night At The Opera, chocou parte do público pela mescla de gêneros explorados, desde o balé até o country, e claro, o hard rock glam em voga na época. Mais tarde, a partir do fim dos anos 80, através dos 90 e entrando nos 2000, temos em Mike Patton um ícone do experimentalismo radicalmente livre, que é evidente em todos os seus projetos, que vão do inclassificável Mr. Bungle, através do exitoso e também perturbador Faith No More, passando por projetos como Fantômas, Tomahawk e Peeping Tom, além do seu disco solo intitulado Mondo Cane, onde apresenta canções populares italianas acompanhado de uma orquestra. A dinâmica de estilos é tão imprevisível quanto as capacidades de sua performance vocal, que vai do gutural ao falsete, como barítono e às vezes até como tenor, no jazz, funk, metal, hard rock, rap, grind core, death metal, pop e seja lá o que mais! No Brasil, temos a banda porto alegrense De Falla, que é precursora da mistura de vários gêneros, brasileiros e estadunidenses, de maneira que beira ao absurdo, com hard rock, funk, rap, entre outras misturas excêntricas, eletrônicas ou pesadas, que fazem do disco Kingzobullshitbackinfulleffect92, de 1992, um clássico incomparável.
De Falla - Kingzobullshitbackinfulleffect92 

 



 Abaixo o link do disco de 2003, Director's Cut, do projeto Fantômas, formado em 98 e liderado por Mike Patton, projeto/banda que tem o título oriundo de um personagem da literatura e do cinema francês, cujo apresenta temas de filmes em versões bizarras, misturadas ao metal e ao hard core extremo. Também destaco a versão para Satisfaction, dos Rolling Stones, pelo De Falla no disco em questão, que soa algo muito bem elaborado, calcado no soul e que, de maneira bizarra, adentra ao que se pode chamar de thrash metal. Insano!





Fantômas

sábado, 18 de julho de 2015

Muse - Drones - 2015

 Dando continuidade à matéria analítica sobre o já concreto legado deixado e construído atualmente pelo Muse, e passados em torno de 40 dias do lançamento mundial oficial do seu mais recente disco, e também por já haver vídeos e impressões abundantes pela internet sobre a banda, penso ser o momento apropriado para uma resenha do álbum lançado em 9 de junho deste ano aqui no Modus Operandi.

 O disco foi anunciado em março, com a banda declarando que se trataria de um trabalho mais voltado aos primórdios da banda, com mais peso, mais básico, também foi descrita a linha temática do álbum, que referia-se a um futuro distópico onde homens eram dominados por máquinas, que manipulavam drones, que por sua vez controlavam outros drones, transformando então o ser humano num ciborgue metade humano metade drone escravizado. Um disco conceitual foi anunciado. Simultâneo ao anúncio do álbum, do tema e da arte da capa, que traz então uma tela com soldados manipulados à distância por um ser que também é manipulado, dando profundidade ao conceito, também fora disponibilizado a primeira faixa e o seu videoclipe, Psycho foi o primeiro trabalho exposto, revelando de fato um peso característico dos primeiros discos da banda, além de um clipe crítico ao sistema militar e a manipulação brutal dos jovens através deste serviço.
 Outras faixas foram sendo disponibilizadas sistematicamente até o lançamento físico e oficial de Drones em junho, deixando menos da metade do disco inédito até o derradeiro lançamento, no entanto, isso aumentou ainda mais o enfoque sobre o trabalho da banda, que em grande parte, cumpriu com o prometido em março.
 O disco, que é produzido pelo lendário Robert Mutt Lange, que trabalhou com AC/DC, Def Leppard, entre outros, abre com a faixa Dead Inside, cuja foi a segunda a ser divulgada logo após o lançamento de Psycho, porém nesta, observa-se vários elementos eletrônicos, diferente, portanto, do peso esperado, ainda mais pela expectativa criada por Psycho. Porém a faixa é bela e traz a tona o tema sobre o vazio interior causado pela artificialidade do ser humano nesse mundo pós moderno, podendo ser considerada uma das melhores faixas do álbum, mesmo que musicalmente, apresente mais semelhança ao clima do disco anterior da banda, o The 2nd Law, por causa dos efeitos e da sua estrutura. Nessa faixa, mais uma vez Matt Bellamy atinge notas altas e evidencia o seu canto primoroso e apurado, mas que ao vivo, não repete com precisão as partes mais altas e difíceis, como quando canta a frase “don’t leave me out in the cold...”, porém fisicamente, o músico está muito longe de se aproximar de sua decadência, ele tem apenas 35 anos. A próxima música na sequência é Psycho, preludiada pela fala do sargento cujo é personagem central da faixa, que leciona um exercício militar cruel mostrado no clipe lançado em março. A faixa tem um peso característico da influência do nu metal que o Muse apresenta, porém os fãs mais assíduos reconhecem que o riff principal é bem antigo, sendo possível notá-lo em shows que remetem desde 2004, ou antes, nos momentos de peso semi improvisados que acompanham os finais de algumas faixas, tal como ocorria em Stockholm Syndrome. A sua letra parte da perspectiva do sargento, ditando sua doutrina que desenvolve assassinos psicóticos. Uma música bastante crítica que faz jus ao peso anunciado anteriormente.  Na sequência temos a faixa Mercy, que também fora lançada antes do disco na internet. A música é quase uma balada e foi muito bem recebida pela crítica mundial, pois ela tem variados elementos que a personificam, teclados, efeitos, boas linhas de guitarra, com uma levada pop e com um refrão grudento, e mais uma vez, com uma maravilhosa linha vocal de Bellamy, que explora bastante seus falsetes, como sempre. A letra agora se põe no lugar de uma vítima que clama por misericórdia, ao que é explorada e escravizada por essa inteligência manipuladora que opera através dos supracitados drones.

 A quarta faixa do disco é, na opinião deste que vos escreve, a melhor, é tudo aquilo que foi anunciado em termos de peso e temática, Reapers apresenta todos os elementos centrais do disco, mas ainda, em sua introdução, podemos ouvir toda a técnica apurada da guitarra de Bellamy, que executa fazendo uso do tapping, técnica muito explorada por variados guitarristas virtuosos e que foi popularizada por Eddie Van Halen ainda nos anos 70, havendo ainda em uma das críticas periódicas de um jornal local a comparação de Reapers com a clássica Hot For Teacher, do Van Halen, do disco 1984, o que faz bastante sentido visto o caráter técnico da guitarra na introdução. Em Reapers, Bellamy ainda executa um dos seus melhores solos da carreira, preciso, técnico e marcante. A melodia do refrão também é bela, com a voz de Matt recheada de efeitos, o que por sua vez a desvaloriza um pouco, ainda mais ao vivo, soando exagerado esse uso dos efeitos nessa parte da voz. A faixa ainda conta com momentos de puro peso, tendo o baixista Chris Wolstenholme berrando literalmente a frase “here come the drones!”, com sua voz também recheada de efeitos, porém dando um aspecto sujo e robótico à sua voz, o que se encaixa no contexto. Reapers também foi lançada antes do disco - poucas semanas antes - em um clipe que explora uma perseguição através do uso dos drones, indo de encontro direto com a letra, que aborda o ápice da decadência humana através da subordinação às máquinas, transformando o homem em uma presa sendo caçada por ceifeiros e “falcões” cibernéticos, mantendo então a temática distópica do disco, citando inclusive a C.I.A. como uma das formas opressoras, e sua brutalidade. A seguir, a música de Drones talvez mais aclamada pelos fãs da banda, a poderosa The Handler. Esta apresenta já no seu início um riff pesado, se transformando numa das faixas mais cruas do disco, tal como Psycho, com poucos efeitos se comparada às demais, com uma melodia fascinante e trabalho vocal magnífico novamente, também é notável a presença da linha de baixo marcante de Wolstenholme, que explora um arranjo complexo, não se limitando ao básico, e claro que a técnica de Dominic Howard não deixa nunca a desejar. A letra revela uma espécie de sequência à Reapers, pois transmite uma ideia de que a personagem se encontra presa sob o domínio do opressor, clamando por liberdade, seria, portanto, a consequência da fuga infrutífera transmitida na faixa anterior. A música ainda apresenta outro solo apuradíssimo de guitarra, tornando então esta uma das melhores faixas do disco absolutamente.

 A seguir encaminha-se a segunda metade do disco, que não apresenta a mesma qualidade da primeira, mas ainda mantém alto nível e desdobramentos sobre o tema central. A faixa Defector tem como introdução um discurso de J. F. Kennedy, onde este critica as formas dissimuladas de guerrilhas pelo mundo, dentre outras críticas ao sistema internacional visto de seu modo, exprimindo um aspecto positivista, mesmo crítico, como a música em questão. A letra de Defector relata a liberdade do indivíduo, que escapa, ou deserta, do sistema que o oprime, porém musicalmente, a faixa não apresenta tanta qualidade quanto as demais, sendo talvez a mais fraca do disco, mesmo tendo um riff inicial atraente e levadas interessantes e com certo peso. Depois temos Revolt, apontada por muitos como a mais pop do disco, soando como um hit adolescente, porém apesar dessa característica, é uma faixa fascinante, mesmo com o seu refrão grudento recheado de falsetes, porém de muita qualidade. De fato lembra algo jovial, mas agradável, salientando o clima positivista desse momento do disco, tendo na sua letra um estímulo à revolta adolescente em meio a ruídos e sirenes. A seguir, há a primeira que pode ser considerada uma balada de fato, a faixa Aftermath apresenta o momento quando o indivíduo cansa de fugir e lutar e apenas quer retornar aos braços e ao conforto de seu amor, sendo uma faixa simples e melódica, sem nenhum peso ou momento virtuoso, com uma introdução de guitarra modesta, mas bela, o que dá uma quebra no clima do disco, complementando-o. Na sequência temos a longa The Globalist, que alterna momentos calmos, tal como no seu início, que tem um assovio que remete a alguma trilha sonora western, além de uma guitarra em slide, seguindo uma linha melódica semelhante à de Aftermath, porém em seguida surge um riff e a música ganha peso, em meio a um corpo de vozes soturnas, acompanhadas por uma contagem regressiva que parece ir de encontro à destruição do mundo, seguida por sua vez pela bateria de Howard e então logo surge um pequeno solo de guitarra e o peso dá lugar a uma linha de piano e novamente a voz de Bellamy. Sua letra soa melancólica no início, como um diálogo em direção a um indivíduo, o estimulando a surgir como um deus de seu mundo para então dominar e destruir. Dá a impressão que o sistema capitalista fala com ele, ou talvez a forma de inteligência artificial dominante, fato é que alguma força maior lhe diz para “destruir para construir”, numa espécie de pensamento modernista. Após a passagem pesada e a volta da voz, a letra soa ainda mais melancólica, com agora o protagonista lamentando o mundo destruído deixado para trás, todas as culturas e virtudes humanas destruídas em nome do progresso assassino, e no final, ele clama que só precisa de amor. É uma música interessante, lembrando o final do disco The Resistance, onde há três faixas que complementam um tema em si, tal como em uma sinfonia, no entanto em The Globalist, os três momentos se encontram na mesma faixa, que soma mais de dez minutos. Para encerrar o trabalho, a banda apresenta uma espécie de canto gregoriano, faixa esta que possui o título do disco, Drones, num tipo de oração/lamentação pela perda dos entes queridos, mortos pelos drones, e ainda, questionando a tal força superior se esta está morta por dentro; se ainda sente algo, e por fim, afirmando que esta agora pode matar da segurança de casa através dos drones, encerrando a lamentação com um “amém”.
 O disco como um todo é muito bom, alternando peso e efeitos às vezes moderados, sem muita inserção de piano e batidas eletrônicas, também não há sinais do groove dos outros discos, porém esta era a proposta desse trabalho. A banda divulgou que o disco teria como característica o peso dos primeiros trabalhos, o que de fato ocorre em duas ou três faixas, no entanto, a banda não soa mais como naquele início, o que é natural e até saudável, já que a principal característica do Muse é a mistura de estilos muito distintos e uma nova sonoridade a cada disco. É possível dizer então que Drones não soa como “algo extremamente novo”, algo inédito em relação à própria banda, como ocorrera em quase todos os seus trabalhos, já que conta com elementos musicais de toda a carreira, motivo evidenciado pelo riff de Psycho, que já existia desde 2004 pelo menos, então o álbum soa como uma coletânea de alguns elementos que a banda explorou na sua trajetória. Pensando assim, poderia soar como algo prostrado musicalmente, mas não, é um disco que busca resgatar o espírito dos antigos fãs de seu peso melancólico, e ainda, penso que o verdadeiro empenho da banda foi em relação às letras, criando um disco conceitual, que critica e até profetiza um futuro onde somos dominados por máquinas criadas por nós mesmos, ou por um governo humano latente nessas máquinas, um pensamento oriundo da cibercultura desde os anos 80, também prevê o deslumbre de um mundo fatalmente destruído e aponta o apelo sentimental primitivo, que é consequente ao vazio desiludido perante a destruição causada pelo progresso racionalista e mortal, que acaba com a vida do planeta e, consequentemente, com a vida humana.

 Já são vários os registros ao vivo disponíveis na internet da turnê de 2015, com shows ocorrendo neste momento por toda a Europa, onde podemos assistir as performances de faixas como Mercy, Psycho, Dead Inside, The Handler e Reapers, esta que ao vivo assombra pela qualidade, porém talvez incomode o demasiado efeito posto na voz de Bellamy no seu refrão, ainda maior que no registro em estúdio. Em outubro, a banda se apresenta no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos dias 22 e 24 de outubro respectivamente. 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Animatrix - The Second Renaissance: A Queda da Humanidade e o Triunfo Mortal da Cibernética



 Os capítulos da animação Animatrix chamados The Second Renaissance abordam a queda da raça humana perante o domínio das máquinas; mostra o período que antecede essa dominação; a guerra entre homens e máquinas; o exílio dessas máquinas; a sua vitória; a exploração do corpo humano para a extração de energia e a criação do mundo virtual implantado nas memórias humanas, a Matrix.
 A animação é dividida em nove partes, todas abordando o universo mostrado no filme Matrix, onde o herói Neo busca a salvação dos sobreviventes da raça humana na última cidade livre restante, Zion. Os dois capítulos The Second Renaissance têm sua história contada a partir do acesso aos arquivos históricos de Zion.
 A obra é uma coprodução entre Estados Unidos e Japão e conta com vários diretores, inclusive a dupla de irmãos responsáveis por Matrix, Andy e Larry Wachowski.
 Animatrix, assim como o filme que o originou, revela muitos traços religiosos, apontando referências da cultura judaico cristã, além da arte com influência da cultura hindu, porém na narrativa é onde as referências religiosas são mais evidentes, fazendo muitas analogias à bíblia, principalmente ao livro de Gênesis, distorcendo o texto sobre a criação do homem por um deus, mas contando a criação das máquinas pelo deus homem. 
 A arte da obra aponta traços do anime japonês, além da computação gráfica, evidenciando então a parceria EUA – Japão. Os dois episódios em questão ainda contam com a direção de Mahiro Maeda e com o roteiro inspirado pelos quadrinhos dos irmãos Wachowski.
 O que fica claro na produção, que é de 2003, é a inevitável relação contextual com a crise sócio cultural em que está inserida, quando então, há menos de dois anos antes, ocorreram os atentados ao World Trade Center. A forma como é tratada a crise em relação à independência das máquinas é muito semelhante ao medo que as grandes potências mundiais tinham, e ainda têm, em relação à dominação muçulmana. É possível notar em cenas sutis, como a em que uma mosca é morta sobre o mapa do Iraque, além da forma como são tratadas as máquinas humanóides após a ilegalidade de suas existências, muito parecida com a intolerância praticada em relação aos muçulmanos após o fatídico 11 de setembro de 2001, onde muitos destes foram hostilizados pelo mundo, tal como os robôs os são na trama, estes que revelam inclusive a noção de suas existências, mostrando sentimentos humanos e apelo por suas vidas. Também é evidente a analogia ao contexto da época na escolha da localização do refúgio e construção da nova civilização pelas máquinas, que hoje é exatamente onde fica o Iraque e que um dia foi o berço da civilização humana, a Mesopotâmia, revelando por sua vez, o sentido do título dos episódios, a Segunda Renascença, porém nesta, diferente da primeira, onde o homem se liberta da Idade Média e, em parte, dos dogmas religiosos, há a então libertação das máquinas do domínio humano, assumindo o poder não apenas sobre suas próprias existências, mas poder sobre o seu criador.
Nesta cena de The Second Renaissance, um grupo de
humanos humilha e destrói uma máquina humanóide
de aspecto feminino, que clama por sua vida,
em uma cena forte e de apelo simbólico
 A obsessão do homem pelo desenvolvimento tecnológico, tanto nas ciências quanto no imaginário artístico, existe desde meados do século XVIII, com o surgimento da revolução industrial e a influência do pensamento iluminista e modernista, porém no caso específico de Animatrix, essa obsessão transcende a exploração do espaço, dos ciborgues e demais artigos oriundos da cibercultura, difundida massivamente nos anos 80. O que Animatrix aborda, assim como o longa Matrix, vai além, apontando a revolta da criatura perante o criador; o martírio da criatura diante da rejeição de seu criador, tal como o monstro de Mary Shelley no seu clássico absoluto Frankenstein, apropriadamente também chamado de O Prometeu Moderno, mas ainda, mostra a dimensão atingida pelo conceito de ciberespaço, onde nesse futuro, em que seres humanos nada são além de fontes de energia, a imersão contínua nessa realidade virtual é imposta a fim de amenizar o sofrimento do ser humano, para então um melhor aproveitamento na extração de energia. É aí que a obra atinge o seu apogeu sobre o imaginário da cibercultura, na criação dessa ilusão funcional criada pelas máquinas, denominada Matrix, conceito este herdado do clássico da literatura ciberpunk, Neuromancer, de William Gibson, lançado em 1984. É a revelação do medo do homem moderno, o medo do iminente fracasso perante a sua tecnologia, o medo de ser engolido por sua criação.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Transcendence - A Revolução - 2014

 Com uma atuação minimalista de Depp, porém com um roteiro que impressiona nos detalhes
científicos, o filme aborda mais uma vez o tema acerca da inteligência artificial e as possíveis consequências destrutivas dessa tecnologia, tema este tão explorado na década de 80, mas que retorna com força no século XXI. Talvez desde a aclamada trilogia Matrix, ou alguma obra específica de Spielberg, não via-se tamanha precisão na projeção distópica de um futuro onde as máquinas, apoiadas pela capacidade autônoma de tomada de decisões, superam em muito as qualidades humanas de construções tecnológicas, baseadas na nanotecnologia e na cibernética em geral. A trama tem clichês, como a relação amorosa em paralelo à tensão sobre o futuro da humanidade, porém levanta questões sobre a possibilidade de uma mente consciente, criada em computadores, ou como no caso do roteiro, questiona como uma mente humana, copiada para uma máquina, uploadeada e permanentemente conectada à internet, goza de um poder absoluto, com acesso total a bancos de dados de todo o planeta, tal como um deus onipresente em toda a rede, onde os humanos seriam semelhantes a nada mais do que animais de estimação; operários a serviço da causa maior da transformação total do mundo tal como conhecemos, em benefício do desenvolvimento dessa inteligência e seus objetivos globais, transcendendo a vida e a existência da humanidade para, portanto, uma nova forma de vida e de existência aperfeiçoada. Levanta também as questões sobre a afirmação da auto consciência, e ainda, resgata mais uma vez os grupos entusiastas contrários ao avanço da tecnologia, que na trama, obviamente, são tratados como terroristas. 
 Além de Johnny Depp no papel principal, o elenco conta ainda com Paul Bettany (O Código Da Vinci; Uma Mente Brilhante), Morgan Freeman, Rebecca Hall (Vicky Cristina Barcelona), Cillian Murphy (Batman Begins; Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge) e Kate Mara (American Horror Story), o filme ainda tem a produção executiva de Christopher Nolan (Trilogia Batman) e conta com a estreia como diretor de Wally Pfister, que assina a fotografia de várias das obras de Nolan.
 Um ótimo filme de ficção científica, levantando vários questionamentos filosóficos acerca dessas possibilidades tecnológicas e suas assustadoras consequências.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Religião x Arte

 Quem veio primeiro, a religião ou a arte? Apenas penso que os modernistas provaram que a religião não é necessária para a produção da arte verdadeira. A religião sempre serviu de estímulo à arte apenas por se tratar de uma organização dos sentimentos temerosos em relação ao mundo desconhecido, pra virar uma explicação e motivo de culto e adoração, que assim como a arte, é uma manifestação dos sentimentos inexplicáveis do humano e também do mundo ao seu redor, o medo, sonhos, fenômenos e desejos incompreensíveis, mas que daí quando explicados cientificamente, deixam de ser místicos, porém levou milhares de anos para que isso acontecesse. Assim como quando aquela inspiração artística inexplicável vira termos técnicos matemáticos, para que assim, e só assim, o devaneio vire uma obra de arte concreta, pois a arte mesmo é calcada na ciência, acabando então o misticismo, por isso penso que os modernistas iconoclastas provaram há bastante tempo já que, a arte pura pode ser totalmente emancipada da religião, e que isso já ocorreu e vem ocorrendo desde então. Mesmo assim, deus dá a inspiração então, alguém diria, mas não, são os sentimentos humanos é que dão.

 Na obra O Poder da Criação, um clássico do samba, o compositor e intérprete João Nogueira aponta, à sua maneira, o que é levantado aqui, diz que não há fatores determinantes, ou indispensáveis, para a criação de uma obra, que a inspiração não segue regras, que pode surgir a qualquer momento. “Não precisa se estar nem feliz nem aflito, nem se refugiar em lugar mais bonito, em busca da inspiração”. Também sugere que, devido à obscuridade desse sentimento, faz crer que uma força sobrenatural guia na hora da inspiração, mas não afirma que de fato há essa entidade, apenas que tal fenômeno permite essa interpretação, pois assim o ser humano interpreta e explica o desconhecido desde sua gênese. “É, faz pensar que existe uma força maior que nos guia, que está no ar, bem no meio da noite ou do clarão do dia”.


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Loucura noturna e imperativa: Reflexão caótica, produto do fluxo de pensamentos infinitesimais parcialmente organizados


 O músico pensa música quase o tempo todo, o artista é artista o tempo todo. O ator, o poeta, o cartunista, o arquiteto, o escultor, o pintor, o bailarino o é, os são todo o tempo, respiram a função, acordam e dormem imaginando, aperfeiçoando, criticando e gozando a função artística. Atletas também fazem o mesmo, sendo inclusive um significante diferencial a qualquer modalidade física a prática meditativa, pois além do treinamento físico, tático e técnico, também pratica-se o treinamento mental, visualizando cada movimento, cada golpe, cada ação e reação, cada segundo de respiração e concentração.
 O desenvolvimento intelectual, seja a prática física disciplinada, seja a canalização de energia, é praticada por tanto tempo, por tantas culturas, de tantas formas, milhões de formas e maneiras distintas, por gregos, por romanos, por árabes, por chineses, por guaranis, por vikings, por celtas, por astecas, por mongóis, por hunos, por assírios, por judeus, por incas, por botsatvas de longínquas montanhas nevadas do Tibete, por vagabundos da capital capitalística, por beats, por hips, por junkies, por mods, por emos, por gays, por mães incompreendidas, por órfãos odiados, por modelos de beleza jovem, sexy e fotogênica, mas tristes por dentro, por nerds banhados em acme que pensam e pensam e pensam e precisam tomar uma atitude, por sangrentos seres sensíveis, por muitos e muitos e muitos, por tantas culturas, pessoas de lugares e de histórias diferentes, por tantos que morreram calados, sofridos e esquecidos, por outros tantos que foram idolatrados em sua época, mas esmagados pelo sistema sucessor, que na maioria das vezes não permite ou ensina essa capacidade de evolução existencial, omitindo antigos ensinamentos, apagando da história velhos aprendizados e implantando novas regras estúpidas em benefício dos que controlam o sistema.
 Mas então, de repente, surge uma verdade, única, objetiva e cruel, verdade é que somos propriedades do sistema, sim, sistema, estrutura, independente do nome da coisa, pois a palavra tem apenas o dever de simbolizar uma ideia, de arte ou de ciência, sendo ela mesma arte, porém em muitíssimos casos é inadequada, confundida, desmembrada, distorcida, magra, fraca, não alcança a sensação, a intenção de comunicar, não é suficiente. Apenas mestres são mestres, mestres das palavras, estes que concentram em sua memória um apanhado, um baú, um vocabulário violento, largo, de sua língua pátria, pois a linguagem é uma arte riquíssima. Mas o português, especificamente no Brasil, apanha muito, é ultrajado e molestado todos os dias, nem os encarregados de ensinar e passar o conhecimento adiante, nem os comunicadores, ainda mais hoje, nestes tempos modernos, tempos de linguagem internética, nem esses profissionais manipulam e usufruem e fazem uso da língua devidamente, mas por outro lado, isso também é rico, a linguagem é mista, desregrada, ela é e deve seguir sendo mais viva que a colonização e exploração da gente que a manipulou, ela tem a missão de passar adiante a mensagem que extraímos das profundezas da memória, da consciência, por isso o apelo à licença de loucura poética, desvalorizando-a talvez, apagando seu sentido original primitivo talvez, mas cumprindo a sua simples função de transmitir, mesmo que parcialmente, a ideia.
 Todos somos feijões de uma vagem de uma planta para um cesto de um colhedor funcionário da casa grande, essa é a verdade, mesmo que as palavras não a resumam completa e definitivamente. Pensemos mais.
“O voar é para os pássaros o que o pensar é para os homens”, Albert Einstein.


sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Fantástica Fábrica - Leo Felipe - 2014


 A história do principal reduto underground roqueiro de Porto Alegre dos anos 90 é recheada de passagens engraçadíssimas, com a sinceridade e exageros fabulosos adequados à natureza caótica embriagada e blasfêmia do bar, eventos naturalmente desdobrados que revelam personagens, bandas e constatações magníficas e absurdas, o Garagem Hermética com certeza tinha tudo isso a ser contado e Leo Felipe o faz com total e absoluta propriedade, pois retrata exatamente o que pessoalmente viveu nessa época, apenas isso e nada mais, as desgraças e alegrias de seus anos de boss do casarão. O rock gaúcho passou por ali, também criaturas que hoje são cineastas e escritores renomados, ainda muitas drogas e sexo e drogas e podreiras e planetas e exús e mais artistas... É maravilhosa essa vida de excessos, excesso de vida, de juventude, de exploração do prazer e da loucura. Pra quem não estava lá e não viveu isso, a coisa soa ainda mais literária e ficcional do que a realidade insisti em ser, e que a memória criativa complementa. As ilustrações artísticas do livro extraem e exploram a extrema essência do lugar, recheadas de muita interpretação exageradamente bizarra e incrível, apontando os capítulos que as seguem, Diego Medina enlouquece mesmo nos desenhos, e claro, também tocou e se chapou bastante por lá. Com prefácio de Daniel Galera, que também figura como personagem presente no bar lá pelos últimos capítulos, o livro mitifica a história, mas ainda é história, e que sempre é mais legal quando exagerada pelos truques da memória falha e parcial. Tanta gente a fudê nesse livro, tantas referências ricas, muita arte, muita loucura e insensatez trajadas de liberdade. Um pouco da história da cidade, da história roquenrol absolutamente e seus sublimes guerreiros, e também a descrição dos passos de um jovem empreendedor pot head e seus amigos maluquinhos. Uma bela peça, que transmite imagens escatológicas da natureza puramente humana, necessária pra quem quer ler algo bruto, belo, ordinariamente intelectual e documental. Dá pra sentir o clima da música alta do ambiente quente, enfumaçado e pulsante. Corpos pulsantes e música boa (quase sempre). Uma obra que já aponta traços de clássico maldito e fundamental.

Foi lançado ano passado na 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, com canja musical do próprio Medina.

 
Arte que apresenta o capítulo 13

Leia o livro, jovem! E aproveite sua vida.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Monsters of Rock em Porto Alegre


  Lendas absolutas do heavy metal, cada uma com pelo menos 40 anos de carreira, com legiões de fãs em qualquer lugar do mundo. Impossível não se emocionar com tamanha magnitude, personalidade e influência que esses literalmente “monstros” do rock apresentam e representam.
Rob Halford e Richie Faulkner detonam no palco do Zequinha/agência RBS

  Começou com a banda local já carimbada em outros grandes shows internacionais de heavy metal que passaram por Porto Alegre, a Zerodoze é competente e tecnicamente muito boa, fazendo um som pesado notavelmente influenciado por Black Label Society e por clássicos como o Megadeth, inclusive executando no show a faixa Symphony of Destruction desta. O diferencial da banda, que possivelmente é o motivo da sequência de shows nesses grandes eventos, é que cantam suas letras em português, o que causa uma estranheza às vezes, em outras parece que realmente não soa bem, mas que sim, é um diferencial corajoso que deve ser considerado, pois as críticas são iminentes, já que o metaleiro é conservador por excelência.

 Quando o Motorhead subiu, a primeira impressão foi de que aquilo era uma miragem, não era possível que aquele cara, tantas vezes estampando revistas especializadas e pôsteres, que aquela lenda viva estava ali, de fato viva, tocando e cantando de verdade. Sim, é nítida a decadência física, todos sabem sobre as crises de saúde que enfrentou Lemmy Kilmister nos últimos anos, mas o que importa é que ele estava ali, sendo o mesmo cara de sempre, transmitindo uma sinceridade absoluta, fazendo um show verdadeiro, mesmo que o seu show hoje seja mais lento e comedido, o que vale é isso, que o cara estava naquele palco mandando ver da maneira que pôde, e tecnicamente, não ficou aquém do esperado, mesmo quando, me parece, apresentou duas vezes a faixa Rock it, que já haviam executado antes, quando então foi corrigido pelo guitarrista, que lhe disse que a próxima faixa seria na verdade Dr. Rock. Grandes clássicos emocionantes, um momento histórico único e diversão garantida pros jovens, e também velhos fãs, que batiam cabeça, pulavam e cantavam intensamente.
Lemmy um pouco morno, mas ainda lendário/agência RBS


 Judas Priest, se não são os pais do heavy metal, são os padrinhos. Das três grandes bandas, com certeza a melhor tecnicamente, onde o vocalista Rob Halford mantém imensa qualidade e precisão no seu canto, nos graves e agudos, no limpo e no sujo, depois de mais de 40 anos de carreira e tudo que isso acarreta, a sua qualidade clássica quase não se mostra diminuída. Pelo menos uma faixa de cada fase da banda foi mostrada no palco do estádio do Zequinha, exceto a fase dos dois discos em que Halford não canta na banda. Victim of Changes e Hell Bent for Leather dos anos 70; os hinos do heavy metal Breaking the Law, Living After the Midnight, Metal Gods e Electric Eye; também a incrível Jawbreaker do disco Defenders of Faith, de 84; ainda a mais conhecida da fase um pouco mais pop da banda no fim dos anos 80, Turbo Lover; além de sucessos recentes como Deal with the Devil e um de seus maiores clássicos, lançado em 90, Painkiller. Eu particularmente e ignorantemente achava que o último trabalho da banda era o disco Nostradamus, de 2008, mas não, a banda executa no palco algumas faixas do seu mais recente trabalho, o disco de 2014 chamado Redeemers of Souls, como a ótima Halls of Valhalla, que mostra o vigor incrível que a banda mantém depois de tanto tempo, ainda lançando discos de qualidade e trabalhando como uma verdadeira banda de respeito. Um show para perder a voz gritando junto com cada refrão, um som impecável, uma história verdadeira, um momento épico.

 Fechando a noite, agora sim se não o pai do heavy metal, eis o tio com certeza, se considerarmos Ozzy e Tony Iommi irmãos na música. Não havia tanta sede em relação a este quanto com as outras bandas, já que o próprio viera em 2013 com o Black Sabbath para Porto Alegre, além do show em 2011 no ginásio Gigantinho, no entanto, todos que estava ali aguardavam a lenda, o mito, dono de tantas histórias polêmicas e bizarras, depois de muitos anos de loucura e abuso com drogas, com quase 50 anos de carreira, a voz inconfundível do heavy metal, Ozzy estava ali, pulando, cantando na sua maneira, jogando água e espuma no público da frente, reverberando seus gritos e seu som intensamente como deve ser, como sempre foi. O repertório foi bastante óbvio, muitos de seus clássicos solo estavam ali, Crazy Train, Mr. Crowley, Suicide Solution, Bark at the Moon, Shot in the Dark, entre outros, porém a falta de No More Tears e Mamma I’m Comming Home foi sentida. Do material “sabbathiano”, surpreendeu a faixa War Pigs, cuja levou a galera à loucura definitivamente. Iron Man e Paranoid foram as obviedades necessárias, esta última fechando o show, como sempre ocorre. Do possível set list divulgado na web, eu particularmente senti a falta de Fire in the Sky, faixa esta do disco No Rest for the Wicked, primeiro trabalho com Zakk Wylde, que seria com certeza um grande momento no show, pois trata- de uma bela faixa com teclados e melodias fascinantes. Mas não rolou.
Ozzy é puro carisma e energia/agência RBS


 A produção foi boa, as estruturas armadas foram adequadas, o som estava ótimo, em qualquer posição se ouvia tudo muito bem, porém não evitou inúmeras reclamações do público presente. Essas reclamações se referem principalmente aos acessos do lugar, o estádio do São José é um bom espaço para shows, não é como a distante Fiergs ou o apertadíssimo Gigantinho, a questão é que há apenas duas entradas e saídas para o público, o que ocasiona filas homéricas, resultando num estresse inevitável. Sabendo dessa dificuldade, a produção deveria abrir os portões bem mais cedo, no entanto, grande parte do público chegou no mesmo horário, o que resultaria mesmo assim em grandes filas, pois não é possível levantar as arquibancadas e abrir uma outra porta de acesso. E também com o público entrando cedo, o dinheiro com certeza também acabaria antes do planejado, já que na rua os ambulantes vendiam a cerveja em latão a cinco reais, enquanto lá dentro a latinha estava 12 (!), regada de muito patrocínio e propaganda da cerveja esta, inclusive contando com um animador ao microfone fazendo promoções e distribuindo brindes, num formato brega e deslocado, resultando, claro, em muitas vaias por parte dos cabeludos de preto, que faziam presença massiva, obviamente, pois se tratava de nada menos que Judas Priest, Motorhead e Ozzy Osbourne.

 Valeu cada centavo, cada pulo, cada dor no dia seguinte. Clássico é emoção, é lembrança, nostalgia, e o heavy metal é um dos gêneros musicais mais fiéis, senão o mais, onde os velhos fazem o que sempre fizeram, o que eles mesmos criaram, e que segue sendo imitado e reproduzido no mundo todo, e o que os fãs querem é exatamente isso, que sigam fazendo o que fazem há mais de 40 anos, com peso, volume e intensidade. Somos privilegiados por ainda poder presenciar esses nomes ao vivo, pois sabemos que daqui a uns 10 anos, ou menos, serão apenas lembranças de um outro tempo, outra era, e teremos de nos contentar com o que haverá de novo, ou nos resignar na eterna nostalgia.