sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Crônica do Aniversário

 Aniversário, o que é isso senão uma data para nos deprimir e nos fazer gastar pestanas pensando e sofrendo? Quando não uma grana considerável.
 Os anos são calculados pela soma de cada grau; valor, de um todo, que soma trezentos e sessenta e poucas porções, que equivalem e medem de fato a volta completa no sol da terra. Então são trezentos e sessenta e cinco dias, mais algumas horas, segundos etc. Vago e inexato. Impreciso, sempre vão sobrar nessa contagem dias, horas, minutos, segundos. Assim surgindo o ano bissexto, o dia 29/02, para compensar essa medida e rotas inexatas, evidenciando a imperfeição e variação de tudo. Então aquele dia específico não tem nada a ver com o dia em que nascemos, ou qualquer dia, volta, que já tenha ocorrido na terra. Seria uma posição próxima em que a terra estaria antes, na mesma marca; dia, de um ano atrás, ou uma volta, mas não exatamente a mesma, além de que, todo o cosmos estaria diferente, devido sua longa e contínua expansão.
 Ficamos mais velhos? Enrugamos? Perdemos a visão? A coluna dói? Ficamos mais precários, sensíveis e doentes? Sim, óbvio, mas isso ocorre todos os dias, não naquele dia específico, não no aniversário apenas, não é somente este que vai nos envelhecer imediatamente, mas todos os dias, a cada minuto, segundo, todos os sintomas da velhice chegam simultaneamente, todo o tempo. O tal dia do aniversário não determina ou transforma qualquer coisa, apenas soma-se como todos os outros dias. Como seres orgânicos, estamos destinados a perecer e servir de adubo aos que ainda rastejam nesta terra. As células freiam. A produção decai. O sistema falha. E a coisa segue em uma regressão física. A energia dissipa-se, a mecânica química entre cérebro e terminações nervosas não são precisas e imediatas. O rendimento murcha. E nos frustramos com nossas experiências ainda não registradas que se apagam, nossas histórias que vão morrendo conosco. Toda nossa existência se resume em memória, se houver sorte, pois só permaneceremos vivos em gerações futuras por meio desta.
 O aniversário serve para imaginarmos, nos prepararmos, criar uma expectativa, uma ambição, de que seja um dia especial. O seu dia. Que algo especial irá acontecer. Quando passam as horas e percebe-se então que foi tão igual e corriqueiro quanto os outros, vem esse sentimento mesquinho e deprimentemente humano, esse vazio da esperança destroçada. A decepção.
 Um símbolo apenas, uma marca do nosso nascimento. Mobilizando pais e padrinhos a produções expansivas de festas efêmeras que servem apenas como pretexto, ou até desculpa, pela falta de atenção necessária diária para com os pequenos, como um modo de ostentação de valores materiais, posses e figurinos, induzindo a uma futilidade burguesa desde cedo o indivíduo homenageado. Promovendo comilanças descomunais, bebedeiras, danças e música, tudo enfatizando o aniversariado, porém sendo oferecido aos demais convidados que, muitas vezes, saem reclamando e apontando defeitos de modo geral na festa e nas pessoas que por ali estavam.
 As debutantes. Talvez o maior exemplo de imbecilidade no quesito comemoração de aniversário. Talvez o maior exemplo de todo esse comportamento mórbido e sinistro apresentado. A simples passagem por esse dia que marca no calendário nosso nascimento deve ser confraternizada com entes queridos, filhos, mães, esposas e namorados, amigos próximos, e ninguém mais! Um aniversário de casamento, de namoro, merece um jantar romântico, uma boa noite de sexo, mas todos os casais devem praticar isso constantemente, não apenas nesta maldita data que nada representa, além da obrigação de ter que se fazer algo em relação a ela. Um jantar forçado de cara fechada. Uma festa deprimente. Uma noite tão sonsa que, talvez se não fosse relacionada à referida data, seria especial.
 O ser humano é cheio de símbolos sagrados, de dogmas estipulados de outras eras que, já não faziam sentido no momento de sua criação, o que dirá dos tempos atuais. Precisamos aprender a nos desvencilhar de práticas antigas e nocivas à nossa existência, à vida, à razão e à sobrevivência do planeta.
 A debutante e a cerimônia que apresenta a filha jovem à sociedade, como um troféu a ser conquistado, justificando os antigos dotes e preços, dinheiro oferecido pelo pai a quem se encorajava a retirar sua filha de casa pela mão. O que me espanta é ver tantas mulheres que não reconhecem nestas práticas a depravação da mulher tal como objeto, em simples ferramenta à servir a vontade do homem, prática absurdamente cristã, que subjugou o feminino cruelmente por tanto tempo, práticas que ainda resistem em comunidades mais remotas, onde as mulheres são apresentadas na sua adolescência a pretendentes munidos de posses financeiras, e que em seguida, se tornam escravas das funções domésticas, sem opinião e tampouco personalidade.
 E ainda temos o canto extremamente ridículo entoado em todas as cerimônias aniversariais, o Parabéns a Você. A música é datada do século XIX, composta por professores para as crianças em uma determinada escola nos Estados Unidos, porém ela continha uma outra letra, uma inocente saudação matinal em que as crianças então cantavam no começo de sua jornada escolar. Era popular tal canção, no entanto, passaram-se alguns anos e alguém em algum livro idiota alterou a letra, transformando a singela música nessa retumbante, insuportável e ridícula ode a um dia que, sim, marca de alguma forma nosso nascimento, mas não evidencia de fato qualquer valor de nossa passagem pela terra, apenas essa data efêmera que nos impõe obrigações materiais que resultam, muitas vezes, em frustração, ao invés da planejada diversão e homenagem. Talvez esse canto tenha algum valor se pensarmos na libidinosa performance de Marilyn Monroe ao então presidente norte americano John F. Kennedy que, com certeza, inspirou pensamentos luxuriosos e excitantes, mesmo com uma letra tola e inexpressiva. É isso, a data, o encontro, é você quem faz, e de resto, são apenas bobagens ultrapassadas.



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